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Guiné-Bissau: “A situação da justiça é terrível, mas há sinais encorajadores”, afirma perita da ONU

21 out 2015

A Relatora Especial das Nações Unidas sobre a independência dos juízes e advogados, Mónica Pinto, exortou o governo da Guiné Bissau a “apoiar e dignificar o trabalho de juízes e procuradores, bem como a reconhecer o papel central que os advogados desempenham no sistema judicial, exercício da democracia e reforço do Estado de Direito.” As autoridades deverão dar prioridade a medidas urgentes para garantir um melhor acesso à justiça e reconstruir a confiança da população nas instituições”, declarou Mónica Pinto na passada segunda-feira, por ocasião do encerramento da sua primeira visita ao país, durante a qual concluiu existirem “graves disfunções no sistema judicial e deficiências materiais que “criam terreno fértil para o crescimento da independência, corrupção e impunidade”.

“Vários interlocutores observaram que a situação da justiça é triste, terrível – na linha da situação no país”, disse a perita., sublinhando no entanto que a população considera positiva a recente decisão do Supremo Tribunal de Justiça que declarou inconstitucional a nomeação de um novo Primeiro-Ministro em Agosto deste ano. “Muitas pessoas na Guiné-Bissau, bem como na comunidade internacional, receberam esta decisão como uma afirmação da independência do Tribunal. Esta sentença reabilitou a credibilidade do sistema de justiça”, declarou Mónica Pinto, citando uma das pessoas por si entrevistadas durante a visita ao país. A Relatora Especial declarou ter observado múltiplas e graves deficiências: “A justiça não chega às pessoas, está concentrada na capital e em poucas cidades de província. No resto do país, o acesso à justiça – requisito indispensável ao exercício dos direitos de cada um – é uma ilusão: não existem juízes, nem procuradores nem advogados.”

Mónica Pinto considera também que o acesso à justiça é caro e que muitas pessoas não conseguem pagar as custas judiciais exigidas, bem como que a duração dos processos é excessiva e que os atrasos processuais são tais que estão à beira de criar uma situação de negação de justiça. “As instituições judiciárias carecem dos meios necessários para funcionar correctamente – reflectindo um crónico défice de recursos no Estado”, disse. A perita salientou ainda a importância de garantir a segurança dos juízes, procuradores e advogados, bem como de proteger vítimas e testemunhas.

Mónica Pinto declarou que a inexistência de tribunais na maior parte do país e as já mencionadas altas custas processuais levam as pessoas a recorrer aos mecanismos de “justiça tradicional”, que funcionam como mediadores entre as partes na resolução de conflitos, mas não têm necessariamente em conta o direito positivo nacional e internacional. A este respeito, é importante que o sistema de justiça formal continue a ser a instituição chamada a aplicar as normas, em particular quando os actos justificados por tradições desafiam estas normas, como o casamento forçado, mutilação genital feminina ou violência doméstica. “Os Centros de Acesso à Justiça – que oferecem aconselhamento jurídico, serviços de mediação e conciliação, bem como orientação e assistência judiciária em caso de litigância – são uma iniciativa importante e bem-sucedida, que deve ser preservada, reforçada e alargada ao resto do país, devendo ser adequadamente financiados pelo Estado”, afirmou Mónica Pinto.

A Relatora Especial disse também ter recebido informação sobre a falta de acesso do Ministério Público e polícia judiciária a elementos de prova científicos e forenses. “O país carece de instituições capazes de levar a cabo procedimentos como testes de ADN, provas balísticas ou escutas telefónicas. Esta situação resulta em altas taxas de impunidade e não permite a investigação do crime organizado, nomeadamente tráfico de pessoas, armas ou drogas, branqueamento de capitais e outros. A perita sublinhou as suas preocupações relativamente à jurisdição dos tribunais militares, que se aplica como se de uma jurisdição pessoal se tratasse; as decisões de tais tribunais não são susceptíveis de recurso para os tribunais comuns e a maioria dos membros que os compõem não são licenciados em Direito.

“É necessário um importante exercício de introspecção por parte das instituições do sistema judicial e do governo, a fim de enquadrar a actual situação e destacar as suas prioridades”, afirmou a perita. Neste contexto, a Relatora Especial sublinhou que “para que a população volte a ganhar confiança na independência da justiça, é fundamental que os agentes deste sistema sejam capazes de agir de forma eficaz. A Relatora Especial declarou que irá formular recomendações a este respeito no relatório que apresentará em Junho de 2016 ao Conselho de Direitos Humanos. 


Autor: Raquel Tavares

Fontewww.ohchr.org