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TEDH, 10 de março de 2015, Varga e outros c. Hungria

16 mar 2015

Condições de detenção. Sobrepopulação prisional. Disponibilidade por recluso, de espaço insuficiente. Ausência de recurso disponível efetivo. Artigos 13º e 3º da CEDH, violação. Art. 46º CEDH, execução de acórdãos. Instauração da prática do acórdão piloto.

Varga e outros cinco reclusos, alguns deles presos em estabelecimentos penitenciários diferentes na Hungria, queixaram-se ao TEDH de que dispunham de pouco espaço em detenção e de que não dispunham de recurso efetivo desta situação. Todos eles estão reclusos em celas partilhadas com outros (este Acórdão cita a título de exemplo, uma cela de 9 m ocupada por três pessoas, o que deixa cerca de três metros quadrados a cada uma, numa hipótese de lotação, relativamente favorável), o que lhes deixa pouco espaço de vida. Acrescentando a estas condições, a separação da sanita e do lavatório do restante espaço apenas por uma cortina, a pouca frequência da muda das camas e, em determinados casos, o facto de as camas estarem soldadas, o que força os presos a dormirem demasiado próximos uns dos outros, foi encontrado, nestas condições difíceis, um fundamento de queixa, nos termos do art.3º (proibição da tortura e dos tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes) e do art.13º (ausência de recurso disponível efetivo contra esta situação).

Recebendo as seis queixas, o TEDH apensou-as e confirmou a veracidade das alegações de cada um dos reclusos, com base em relatórios internacionais, nomeadamente do Comité para a Prevenção da Tortura do Conselho da Europa (CPT), que já dirigiu recomendações à Hungria no sentido de reduzir a sobre população prisional e de proporcionar melhores condições de higiene aos reclusos. Nestes casos alguns deles, em detenção, sofreram doenças de pele.

Verificou, ainda, a ausência de recurso disponível, adequado e efetivo contra esta situação, apesar da invocação de um mecanismo (dificilmente disponível, não adequado e não suficiente, que resultou apenas num caso, em muitos que entretanto já chegaram ao TEDH) pelo Governo.

Condenou, assim, a Hungria por violação do art.º 13º combinado com o art.º 3º da CEDH (não disponibilidade de um recurso efetivo para fazer cessar o padecimento concreto de cada recluso). Outro argumento do TEDH, na hipótese rara em que este mecanismo, do recurso, funcionasse, o espaço assim obtido por um recluso seria conquistado na base da redução do espaço disponível para os outros, dada a situação existente na Hungria, o que representa uma solução inaceitável para o TEDH.  E condenou também a Hungria pela violação em si, do art.º 3º, uma vez que as condições de detenção vigentes representam um caso de tratamento, desumano e  degradante, podendo ser equiparado a tortura.

Por fim, o TEDH socorre-se do art.º 46º da CEDH que lhe permite velar pela execução dos seus acórdãos, recebendo a colaboração, para este efeito, do Comité de Ministros.  Uma vez que o problema é recorrente, afeta muitas centenas de reclusos, e que a situação não vem mudando desde os vários casos que, já antes dos presentes, chegaram ao TEDH, este Alto Tribunal identifica a existência de um problema sistémico. Pelo que, assim o diz, e opta pela solução do Acórdão Piloto.

Esta solução permitir-lhe ia, segundo a sua prática, esperar pela junção de muitos casos até que o Governo resolvesse a situação de conjunto, decidindo então. Mas porque estes casos são, pela sua gravidade e premência, urgentes, o TEDH não vai esperar que o Governo resolva o problema para lhe apresentar os casos e as correspondentes decisões. Vai decidir rapidamente e por referência a este Acórdão, os casos que lhe chegarem, dando ao Governo um prazo de seis meses para que este lhe apresente um calendário de medidas que irá adotar para dar execução ao presente Acórdão sob a supervisão, ainda do CM.

Um ponto interessante dos Acórdãos Piloto. No caso Hutten Czapska (notícia a seu tempo nesta página), que se reportava a uma situação de arrendamento forçado que privava os proprietários dos seus imóveis resultante do tempo da União Soviética, na Polónia, o TEDH havia sugerido um conjunto de medidas concretas em que contava com o apoio do Tribunal Constitucional Polaco para assegurar o cumprimento do Acórdão Piloto então proferido. Neste caso, Varga e outros, o TEDH entende que o Estado possui uma margem de apreciação, e que lhe compete, assim, escolher as medidas de execução do Acórdão.  Mas fixa com rigor o prazo de seis meses para apresentar um calendário de medidas que o Comité de Ministros e ele próprio validarão, no sentido de por fim à sobrelotação prisional e para dotar o sistema prisional de um conjunto de vias de recurso que lhe permitam superar as suas próprias dificuldades a cada caso verificadas.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira