Simp

Está aqui

TEDH, 11 de fevereiro de 2016, Dallas c. Reino-Unido.

16 fev 2016

Julgamento por júri. Advertência aos jurados de não consulta de meios noticiosos, nem de outras fontes para além das produzidas, como meio de prova, em audiência. Desrespeito destas indicações. Condenação por contempt of court. Alegação de uma excessiva margem de interpretação judicial da noção legal. CEDH, art.º 7.º par. 1. Não violação.

Dallas, cidadã grega residente em Luton, no Reino-Unido, foi convocada por um tribunal britânico para desempenhar as funções de jurada, no julgamento criminal de um arguido.

Ao receber os jurados, o juiz da causa convocou-os, um por um, e descreveu-lhes os seus deveres como jurados.  Nomeadamente, os de não consultar outras fontes relativas ao crime e à sua notícia, para além das que forem produzidas em juízo.  O desrespeito destas indicações constitui contempt of court, previsto e punível na lei penal, o qual pode conduzir à anulação do julgamento e à necessidade de realizar outro.

O arguido foi submetido a julgamento pela prática de um crime de certa gravidade, sendo que já possuía antecedentes criminais, nomeadamente relativos à prática de ofensas à integridade física. Estes antecedentes foram referidos em audiência, perante os jurados, mas não foi referido que estas ofensas à integridade física tinham sido consequência de uma violação. Limitando-se àquilo de que tomavam conhecimento, na sala de audiência, os jurados não podiam, assim, saber que as ofensas à integridade física, referidas como antecedente criminal do arguido,  decorriam de uma violação.

Em reuniões posteriores a esta audiência, de jurados, Dallas comunicou que tinha feito uma pesquisa na internet, cruzando a expressão ofensas corporais com Luton, e eventualmente mais algum elemento de identificação do caso. Veio, assim, a saber que as ofensas corporais referidas como antecedente criminal do arguido eram o resultado de uma violação. Os jurados comunicaram esta situação ao juiz, que se viu forçado a proceder à anulação do julgamento, com vista à sua ulterior repetição com outros jurados.

Considerando que Dallas provocou um dano à administração da justiça, o juiz da causa remeteu o processo ao Attorney General o qual instaurou procedimento criminal contra Dallas, a qual veio a ser condenada numa pena de alguns meses de prisão, que cumpriu.

No seu julgamento, o tribunal que veio a condenar Dallas, aplicando a noção legal de contempt of court, não se limitou ao respeito formal dos elementos que a integram no texto legal (an Order). Aceitou que o juiz da causa em que Dallas havia sido jurada, havia dado uma direction aos jurados, corporizada num conjunto de instructions, e que havia cominado consequências para o desrespeito desta direction.

O Advogado de Dallas não se conformou com este trabalhar jurisprudencial da noção de contempt of court e alegou que Dallas fora punida por força de uma lei não existente quando cometera a infração, uma vez que foi punida com base na noção legal de contempt of court com um acrescento interpretativo formulado pelo tribunal que a julgou, elemento novo, face à realidade do texto da Order com que podia contar. Haveria, assim, violação do artigo 7.º da CEDH, punição de natureza penal com base em texto novo, e por isso imprevisível, relativamente ao momento em que a infração foi cometida. Esgotou os meios de recurso internos e levou a queixa ao TEDH, repousando no princípio nullum crime sine lege.

O TEDH examinou minuciosamente a queixa de Dallas e concluiu pela não violação do artigo 7.º da CEDH. De todo o conjunto de diretrizes de comportamento e de instruções para a prática do julgamento de facto pelo júri, resultava clara a sanção penal aplicável ao jurado cuja atuação coubesse no conceito legal do contempt of court. Esta noção tinha sido tornada explícita e bem clara. Por fim, é do conhecimento das várias pessoas que têm algum contacto com a justiça britânica, que esta tem um forte pendor jurisprudencial e por isso que haverá mais liberdade do julgador ao concretizar os preceitos legais. A tarefa deste ao subsumir o comportamento de Dallas, na previsão da norma que empregou a noção de contempt of court, permaneceu, ainda assim, apesar de toda a liberdade do julgador, dentro de uma tarefa de interpretação para a concretização de um preceito legal e não se situou no domínio de uma criação totalmente livre de normas imprevistas para o cidadão.

Não se verificou, assim, a violação, pelo Reino-Unido, do artigo 7.º da CEDH.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira