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TEDH, 12 de janeiro de 2017, Abuhmaid c. Ucrânia.

16 jan 2017

Cidadão de nacionalidade palestiniana ligado ao Fatah. Prossecução com êxito de estudos superiores na Ucrânia nos anos 90, casamentos vários com cidadãs Ucranianas.  Fim das autorizações de residência para estudos, instabilidade da sua vida matrimonial, decisões de expulsão das autoridades não aceites pelos tribunais ucranianos. CEDH, art.º 8.º (vida privada e familiar) e 13.º (recurso efetivo), não violação. Duração longa de um período de indefinição do estatuto pessoal enquanto residente.

Abuhmaid nasceu em 1977 e nos anos 90 foi estudar para a Ucrânia onde obteve com êxito a licenciatura em eletrónica biomecânica, tendo ainda obtido uma pós-graduação nesta área. Querendo prosseguir os estudos não pôde fazê-lo porque as bolsas acabaram.

Veio entretanto a casar três vezes, sempre com mulheres ucranianas, tendo casado com a última, com quem ainda vive, em 2014 depois de terem iniciado o seu relacionamento em 2013.

Do final dos seus estudos até à data vem vivendo da prática de traduções na qualidade de tradutor e interprete free-lance, nomeadamente para o serviço diplomático.

Sofreu problemas com as autoridades a partir de 2010, quando pediu a renovação de uma autorização de residência, expirada em 2009, tendo as autoridades procurado expulsa-lo da Ucrânia.

As peripécias várias do seu processo de expulsão conduziram a um conjunto de decisões judiciais, a última das quais, pondo termo ao processo considerou que a sua expulsão seria contrária ao artigo 8.º da CEDH (direito à vida privada e familiar) por Abuhmaid estar casado com uma mulher ucraniana. A mesma decisão judicial considerou que, tendo o expulsando ligações ao Fatah a sua vida poderia ser posta em perigo se fosse expulso para a Palestina. Entendeu que tinha fundamentos para pedir o asilo político e a concessão do estatuto de refugiado e que o processo administrativo por ofensas à legislação de entrada e permanência de estrangeiros em território nacional tinha prescrito.

Abuhmaid pedira entretanto o asilo político e a concessão do estatuto de refugiado, tendo-se a referida última decisão judicial do processo de expulsão tornado definitiva. Mas aqui o seu pedido acabou por ser rejeitado por uma decisão judicial final (segundo a linguagem do TEDH) de 2013. Voltou a pedir o asilo em 2014, estando o seu processo pendente.

Entretanto, voltou a requerer a sua regularização na qualidade de imigrante. No último estádio conhecido deste seu último processo, não podia requerer a condição de imigrante por estar pendente o seu pedido de asilo.  E de todo o modo, como o seu casamento ainda só tinha durado um ano e meio, seria cedo para poder regularizar-se na qualidade de imigrante.

No meio deste conjunto de processos, Abuhmaid entendeu queixar-se ao TEDH que considerou ser a queixa admissível e decidiu juntar o exame dos artigos 8.º e 13.º  No fundo, a questão seria a de saber se teria havido a violação do direito a um recurso efetivo numa situação de alegação de vida privada em perigo.  E ao examinar o quadro processual e de vida de Abuhmaid, concluiu que não se verificou a violação porque a decisão do processo de expulsão foi negativa, no sentido do requerente não poder ser expulso, tendo-se esta decisão tornado definitiva, e porque os tribunais entenderam que assim que fosse concluído em sentido negativo o processo de asilo e, na condição de Abuhmaid já ter mais algum tempo de vida matrimonial (dois anos), este poderá requerer a regularização da sua condição de residente imigrante.

Este acórdão mereceu ainda assim uma censura mitigada em voto concordante parcial do juiz Vehabovic.  Para este magistrado internacional a queixa não deveria ter sido examinada apenas no ângulo da eventual violação do art.º 13.º combinado com o art.º 8.º da CEDH, mas também sob o ângulo, exclusivamente, do próprio art.º 8.º que estabelece o direito ao respeito da vida privada e familiar. E embora tudo esteja em relativo equilíbrio na solução vagarosa que vai provavelmente emergir da aplicação do direito ucraniano por meio do jogo das suas várias regulações (asilo, estatuto de imigrante), a demora a que Abuhmaid esteve sujeito neste quadro processual complexo em que intervieram vários conjuntos processuais, de expulsão, de asilo, de asilo e de pedido da concessão da qualidade de imigrante, terá sido, para este magistrado, constitutiva da violação do seu direito à vida privada e familiar, nos termos do art.º 8.º da CEDH, porque determinou um arrastamento longo no tempo, da sua indefinição jurídica na Ucrânia. 

 

por: Paulo Marrecas Ferreira