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TEDH, 12 de julho de 2016, Reichman c. France

18 jul 2016

Emissão radiofónica em que o apresentador criticou a gestão do Rádio, considerando que o controlo assumido pelo diretor, quanto a certos conteúdos, ultrapassava os seus direitos e entendendo que existia a possibilidade da verificação de fraude financeira. Condições de exercício do recurso, art.º 6.º par 1 da CEDH, violação; liberdade de expressão, artigo 10.º par. 1, violação.

Reichman apresentador da emissão Libre journal, na Radio Courtoisie, criticou o controlo assumido pelo sócio do fundador deste Rádio sobre os conteúdos a divulgar e asseverou que existiam indícios da possibilidade de existir uma fraude financeira que seria conveniente esclarecer. Teceu estes considerandos na emissão, exprimindo a sua preocupação quanto ao futuro de Radio Courtoisie, sem contudo revelar qualquer hostilidade ou animosidade relativamente ao destinatário das suas críticas. As suas palavras exprimiam sobretudo preocupação.

L., o visado pelas palavras apresentou uma queixa por difamação e injúrias e constituiu-se assistente no processo penal que culminou com a condenação de Reichman em montantes de valor medianamente elevados, mas, ainda assim, suficientes para possuírem um efeito dissuasivo de semelhante prática.

Reichman recorreu e viu negado o seu recurso, e, prevendo que viria a perder, porque tudo na evolução do julgamento o deixava prever, recorreu, do direito, à Cour de Cassation.

O Código de Processo Penal francês então aplicável previa que um recurso devia ser acompanhado de cópia do mandato judicial e devia ser apresentado na secretaria do tribunal a quo, no prazo de cinco dias a contar da decisão judicial de que se recorria. Esta disposição, do artigo 576.º do CPP francês foi, entretanto, revogada.

Ora Reichman, para acautelar a apresentação do seu recurso em tempo útil, entregou a peça processual correspondente pouco antes de ser proferida a sentença da Cour d’Appel. Não a  tendo apresentado após a prolação da sentença, havia uma forma de extemporaneidade que conduzia à rejeição do recurso, um pouco como se ele fosse prematuro; desta forma Reichman perdeu, em apelação, por não ter sido reconhecida a bondade dos seus argumentos, e em cassação porque o recurso que interpôs da sentença da Cour d’Appel foi considerado extemporâneo por ser prematuro. 

Reichman queixou-se ao TEDH por violação do direito a um processo equitativo (art.º 6.º par. 1 da CEDH) e por violação do seu direito à liberdade de expressão (art.º 10.º par. 1 CEDH).

O TEDH examinou cuidadosamente o caso e chegou à conclusão de que, no caso da rejeição do recurso por prematuro, embora houvesse previsão legal, fim legítimo, previsibilidade e acessibilidade da disposição do art.º 576.º do CPP, este não era proporcional, uma vez que o acto prematuro não pôde ser aproveitado, embora se soubesse de antemão o resultado da decisão da Cour d’Appel.  O Requerente não demonstrou qualquer má-fé ao exercer como o fez o direito de recurso, pelo que esta não admissão do recurso para a Cour de Cassation foi não proporcional e por isso se verificou a violação do art.º 6. par. 1 da CEDH.

Esta constatação, que condicionando o acesso de Reichman à Cour de Cassation, também significou que Reichman não pôde ver apreciada a questão da eventual violação da sua liberdade de imprensa pelo tribunal superior, permitiu ao TEDH examinar a questão da violação ou não, da sua liberdade de expressão.

E, neste patamar, O TEDH observou que Reichman não tinha hostilidade em relação a L. que se limitou a proferir um juízo de valor com base em factos relativamente sólidos, mas que permaneceu no domínio da alusão. Ora, enquanto foi este carácter alusivo da sua intervenção que justificou a sua condenação pelas autoridades judiciais francesas, esta dimensão alusiva da expressão de Reichman foi, precisamente o que deveria salvar o seu autor para o TEDH.  Assentando na distinção entre juízos de valor e afirmações de facto, o TEDH entendeu que Reichman havia proferido juízos de valor. Essencialmente juízos de valor, embora assentando numa factualidade relativamente segura. Não tendo manifestado também aqui, nenhuma má-fé nem a intenção de prejudicar mas tendo partilhado com o público uma preocupação legítima expressa sem qualquer animosidade, Reichman estava a agir no quadro da sua liberdade de expressão. 

A imposição de montantes, ainda que de valor médio, mas suscetíveis de dissuadir Reichman de voltar a exprimir a sua preocupação em debate de interesse público, também aqui relevante na medida em que o destino de um órgão de comunicação social é de interesse público, representou assim para o TEDH o exercício de uma pressão, prevista por lei e prosseguindo um interesse público, mas também aqui não proporcional porque dissuasora da expressão livre de Reichman, a qual corporizou a violação do 1º parágrafo do artigo 10.º da CEDH, o direito à expressão livre de Reichman.

De interesse para a compreensão dos meandros deste caso, é o voto discordante da Juiza Nussberger. Para esta alta magistrada, a sanção dada pela Justiça francesa à extemporaneidade do recurso (o facto deste ter sido prematuro em relação à emissão da sentença) devia ter sido considerada proporcional pelo TEDH.  Embora este artigo do CPP já não vigore na atualidade, ele era aplicável ao tempo do caso e em outros acórdãos e decisões a ele relativos, o TEDH aceitou-o sempre. Não seria desproporcional exigir do constituinte e do seu advogado que apresentassem o recurso dentro do prazo legal a contar da prolação da sentença, na medida em que tal era exigido a qualquer cidadão que dele se pretendesse valer. Esta exigência, a ser cumprida, teria permitido à Cour de Cassation examinar as condições de admissibilidade da queixa à luz da Convenção europeia. E sendo esta direito interno, teria permitido a esta Alta instância nacional resolver o problema, dando ao Estado francês a oportunidade correspondente. Havia assim um recurso interno a esgotar antes de aceder ao TEDH e cabia, segundo esta Alta Magistrada, a Reichman o ónus de o apresentar em condições de ser recebido, dando à Justiça francesa a oportunidade de resolver este problema.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira