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TEDH, 13 de outubro de 2016. Kitanovska Stanojkovic e Outros c. Macedónia

17 out 2016

Assalto a uma família, dentro de casa, por pessoas mascaradas, com emprego de grande violência, de que resultou a morte de um elemento do agregado familiar e ferimentos graves para os restantes. Identificação dos assaltantes e condenação em penas de prisão. Tardia execução da sentença. Insegurança das vítimas que provocou a sua emigração para outro país. CEDH, art.º 2.º direito à vida, vertente processual, violação.

Um grupo de pessoas mascaradas assaltou a casa de morada de uma família, no ano de 2011, empregando uma violência extrema, com o fito de roubar bens.

Do assalto resultaram o falecimento do pai de família, atingido por golpes duros na cabeça, e ferimentos graves, exigindo penosos tratamentos, para a mãe e os demais elementos do agregado familiar.

FT, um jovem de 17 anos ao tempo da prática do crime, que foi identificado como seu coautor material, ficou em situação de prisão preventiva por escassos dias e veio a ser colocado em liberdade por um juiz que entendeu que, por ser  menor, estar incluído num programa de escolaridade por cumprir e mostrar-se devidamente identificado e localizado, não apresentava perigo para as vítimas nem para a coletividade.

Veio a ser condenado em pena de prisão efetiva pelos crimes que cometeu, mas não foi preso no momento da sentença condenatória. Continuou em liberdade, só vindo a ser preso em 2014, para cumprimento da pena, com termo previsto em 2019.

A demora de 18 meses na prisão de FT gerou insegurança para as vítimas sobreviventes do crime. Em consequência, estas, sentindo-se ameaçadas, emigraram para França, onde se encontram atualmente, com residência permanente.

Queixaram-se ao TEDH da demora em prender FT, uma competência que estaria a cargo do juiz de execução das penas, que, segundo o TEDH, foi pouco interventivo neste caso.

O TEDH examinou a questão e integrou a queixa no quadro das violações do direito à vida. Embora a lesão que provocou o dano da morte do pai de família fosse devida a ato de violência da autoria de um particular, a violação porque a Ex-República Jugoslava da Macedónia deveria responder, estaria na sede da violação do direito à vida. Interrogando-se sobre se a violação seria substancial, ao verificar que a morte do pai de família não foi provocada por nenhum agente público, o TEDH afastou a violação no ângulo da substância e prestou atenção à violação processual do direito à vida, no sentido de saber se esta teve lugar às mãos do Estado - por qualquer deficiência que lhe pudesse ser imputável -  neste caso.

Afastou a violação processual quanto à verificação dos factos, uma violação geralmente frequente, na medida em que as autoridades, ao julgarem os arguidos e ao condená-los, estabeleceram o que se passou no domínio dos factos.  Investigaram, assim, as causas da morte deste homem e condenaram os arguidos.

Mas pôde ocorrer uma outra violação, e segundo o TEDH ela teve lugar: a violação do direito à vida numa dimensão processual, na medida em que a sentença que conduziu, efetivamente, à condenação dos arguidos, não foi executada durante dezoito meses, criando na família um enorme sentimento de angústia e de insegurança que a levou a deixar o país para se fixar em França.

E aqui o TEDH entendeu que, se o Estado não causou a morte nem os ferimentos dos elementos daquele agregado familiar, violou processualmente o direito à vida desta família ao não assegurar o cumprimento atempado de uma decisão judicial e ao deixar em liberdade um dos autores materiais do crime, criando assim, independentemente da conduta real de FT, um sentimento de medo e de insegurança de tal modo forte nas pessoas sobrevivas que estas tomaram a decisão de deixar o seu país. Houve, assim, uma violação processual do direito à vida, da responsabilidade da Ex República Macedónia da Jugoslávia, devida às deficiências do seu processo penal e do seu direito de execução das sentenças penais.

A violação do artigo 13.º da CEDH relativo ao direito a meios de queixa e reparação eficientes no plano interno, também alegada pelas vítimas não foi considerada pelo TEDH à luz da conclusão a que chegou quanto à violação processual do direito à vida.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira