Simp

Está aqui

TEDH, 13 de setembro de 2016, Ibrahim e Outros c. Reino-Unido

19 set 2016

Atentado terrorista de 21 de Julho de 2005.  Detenção e prisão de suspeitos. Assistência por advogado, emprego de declarações em interrogatório policial como meio de prova no julgamento, direito ao silêncio, existência de razões imperiosas justificando a não assistência por advogado. Dois conjuntos processuais, o de três arguidos imediatamente detidos como autores dos crimes, o de um quarto arguido, inicialmente interveniente na qualidade de testemunha.  CEDH, artigos 6.º par. 1, processo equitativo e artigo 3.º direito à assistência por advogado; não violação nos três primeiros casos, violação no último.

A seguir aos atentados de 7 de Julho de 2005, de Londres, em que 52 pessoas morreram e inúmeras pessoas ficaram feridas, registou-se ainda no metro e num autocarro em Londres, uma tentativa de atentado, falhada esta, em 21 de Julho de 2005.

Os três primeiros requerentes nestas queixas, cidadãos da Somália, foram detidos e presos pouco depois tendo-lhes sido aplicadas determinadas figuras processuais pela polícia.  Primeiro foi-lhes aplicada pela polícia a “new style caution” em que o cidadão era advertido de que podia não responder, mas que tanto as suas declarações como o seu silêncio poderiam ser utilizados contra ele na audiência de julgamento. Esta “new style caution” foi acompanhada por uma “detenção incomunicado” de vigência de 48 horas, e por fim, para acautelar a segurança das pessoas, foi-lhe feita uma “safety interview” destinada a saber quais os seus contactos, as suas ações, terceiros envolvidos no sentido de poder desativar qualquer atentado terrorista em curso.  Tudo isto foi completado com a negação do acesso a um advogado durante estas “safety interviews” por razões imperiosas de segurança, admitidas na lei e na jurisprudência em termos genéricos e com origem na situação de gravíssima insegurança que então se vivia.

Olhando à prática policial, o juiz de primeira instância entendeu que a polícia podia não ter procedido corretamente.  Acionou então o mecanismo de “Voir dire”, um processo dentro do processo penal britânico destinado a verificar a qualidade da obtenção da prova com que irá o tribunal, neste caso de júri, julgar.

As conclusões do “Voir dire” foram as de que se verificaram um conjunto de irregularidades processuais, entre as quais a relevância auto  incriminatória do silêncio e das declarações num processo de interrogatórios policiais em que sobrelevava a ausência do advogado. O “old style”, método antigo que aceita o valor não incriminatório pelo menos do silêncio, deveria ter sido aplicado neste caso. Ainda assim o juiz entendeu que a polícia tinha prestado um conjunto de salvaguardas aos arguidos e que o próprio processo era dotado de equidade, facultada nomeadamente pela avaliação da qualidade da prova por meio do “Voir dire”. Avisou os jurados de que não deveriam especular sobre o processo mas que deviam retirar as consequências que entendessem retirar do silêncio dos arguidos.  Os três primeiros queixosos recorreram em apelação, o que de nada lhes valeu e foram condenados numa pena de prisão perpétua com um período mínimo de 40 anos.  Recorreram ao TEDH.

O Quarto requerente foi identificado como alguém que conheceria um dos três primeiros arguidos. Foi convidado a prestar declarações enquanto testemunha sem ser avisado de que as declarações poderiam ser auto incriminatórias e que tinha o direito ao silêncio. Não foi assistido por advogado e, no decurso da prestação de declarações veio a incriminar-se, a polícia vindo a descobrir que era um participante na tentativa e não uma simples testemunha. Passou à condição de arguido, foi-lhe negado o apoio de um advogado e foi procedido à “safety interview”. Acabou por ser condenado numa pena inferior, em cúmulo por cada elemento de participação no crime tentado dos três outros requerentes, à dos seus cúmplices, e, em recurso de apelação viu a sua pena ligeiramente diminuída. Também recorreu ao TEDH.

Esta alta instância internacional decidiu em Seção que não havia nenhuma violação, houve recurso para a Grande Chambre e esta entendeu que a violação dos artigos 6.º par. 1 e 3 não se verificava na pessoa dos três primeiros requerentes, mas que se verificava na pessoa do quarto requerente, modificando, assim, a decisão da Seção.

O TEDH recordou primeiro algumas noções. Existe uma acusação penal no sentido do artigo 6.º a partir do momento em que uma pessoa é oficialmente notificada pela autoridade de que cometeu um crime, ou a partir do momento em que sua situação é substancialmente atingida pela ação das autoridades, no quadro da promoção penal. O direito a um advogado é um direito fundamental de defesa mas pode ser excecionalmente atrasada a presença de um advogado junto de um arguido. Por fim, o TEDH entende que o direito à não auto incriminação é parte integrante do direito de defesa tanto no artigo 6.º par. 1 da CEDH quanto no art.º 6.º par. 3.

Postas estas noções e olhando a que os três primeiros requerentes se queixavam da falta de advogado e do emprego das suas declarações no julgamento, o TEDH admitiu que o seu crime era de tal modo grave e teria consequências tão gravosas a não se ter ficado pela forma da tentativa que existiam razões imperiosas para atrasar a presença do advogado e proceder a interrogatórios sem este, e que, apesar dos erros processuais da polícia, existiu uma equidade global do processo que permitia não considerar violado o art.º 6.º par. 1 e 3 da CEDH. Já quanto ao Quarto requerente, entendeu que o facto de este não ter sido avisado de que se poderia auto incriminar e de que tinha o direito ao silêncio, que o fez passar de testemunha a arguido, representou uma inequidade processual grave, registando-se na sua pessoa a violação do artigo 6.º par. 1 e do art.º 3.º da CEDH.

Houve vários votos dissentes e parcialmente concordantes dos vários juízes que se exprimiram em apenso ao Acórdão.  Um conjunto de reparos ao Acórdão feito no voto dos juízes Sajó e Laffranque é merecedor de atenção. 

Em primeiro lugar, não existe equidade geral do processo quando um erro processual prejudica definitivamente uma defesa.  Este erro pela sua gravidade, e imputável à polícia, determinou, para estes juízes, um dano definitivo à defesa dos três primeiros requerentes não compensado pela equidade geral do processo. Sobre as razões imperiosas, nomeadamente de segurança, que ditariam a exclusão na fase inicial do advogado, a questão é a de saber em que é que a presença de um advogado vai necessariamente impedir a proteção das vidas das potenciais vítimas do ato terrorista em curso que se está a parar com as detenções e prisões presentes. Por outro lado, tal como para a especial complexidade de um processo, as razões imperiosas devem ser justificadas em concreto à luz da verdadeira ameaça que pode representa a defesa imediata de um arguido. Por fim, e porque o juiz de primeira instância deu ampla liberdade aos jurados, nomeadamente para avaliarem o silêncio dos arguidos, as autoridades britânicas não facultaram qualquer compensação processual aos arguidos que permita considerar o processo como globalmente equitativo. Para estes juízes, o TEDH estaria no presente acórdão a pecar por excesso de receio e a contrariar a sua jurisprudência Salduz em que fixou os vários critérios de um processo equitativo.  Para eles o terrorismo deve certamente ser combatido, sem tréguas, mas a CEDH contém um acervo de direitos e de garantias inderrogáveis cuja interpretação não pode ser suscetível de retrocesso como seria aqui, segundo eles, o caso.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira