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TEDH, 15 de dezembro de 2015, Raihani c.Bélgica

28 dez 2015

Divórcio. Definição de prestações de alimentos, a cobrar diretamente sobre os rendimentos do réu, pai da criança. Cumprimento de pena de prisão em Marrocos. Impossibilidade de reagir em tempo à decisão judicial, aquando do regresso após cumprimento de pena.  Não acesso a um tribunal. CEDH, artigo 6.º par. 1, violação.

Raihani nasceu em 1963 e reside em Bruxelas. Veio a divorciar-se de K. com quem teve um filho. Na ação de divórcio, K. pediu a fixação de um montante mensal descontado, a título de prestação de alimentos sobre os rendimentos de Raihani, automaticamente, no momento do seu vencimento (délégation de sommes). A decisão é de fevereiro de 2004.

Raihani recebeu as comunicações no seu domicílio, mas encontrava-se ausente, em cumprimento de pena em Marrocos.

Foi colocado em liberdade em maio de 2005, e, de regresso à Bélgica, pediu o benefício das prestações devidas na situação de desemprego. Estas vieram desde logo descontadas das prestações devidas por alimentos ao filho menor, em cumprimento da decisão de fevereiro de 2004.

Vindo a compreender a situação, Raihani solicitou o apoio judiciário para contestar a decisão de cobrança de alimentos.

Os juízes belgas, nas várias formações de primeira instância e de recurso (um recurso em cassação veio a ser negado pela sua inviabilidade face aos autos) decidiram que, uma vez que Raihani pôde compreender que estavam a ser efetuadas deduções aos seus rendimentos, deveria ter agido imediatamente, no sentido de poder beneficiar do prazo legal de oposição à segunda retenção na fonte da prestação de alimentos, o qual era de um mês e se destinava a Raihani poder ser ouvido pela justiça, uma vez condenado in absentia.

O prazo de oposição de um mês corria a partir do momento em que Raihani estava em condições de saber que estava a ser operada uma retenção na fonte da prestação de alimentos, tinha sido interrompido pela situação de força maior, derivada do seu cumprimento de pena em Marrocos, mas voltou a correr a partir do momento em que Raihani estava em condições de tomar consciência da situação. A justiça belga entendeu, assim, que o prazo voltava a correr a partir do recebimento da segunda prestação de desemprego com retenção na fonte.

Raihani tendo vindo a deduzir a sua oposição em 28 de setembro de 2005, não a viu ser recebida, tendo-lhe sido oposto o trânsito em julgado da decisão de fevereiro de 2004, que fixava a prestação de alimentos. K tinha entretanto respondido à oposição de Raihani pedindo um aumento da prestação de alimentos. Pela mesma razão do trânsito em julgado, o seu pedido não foi recebido.

Para o Tribunal Europeu o prazo de oposição, de um mês a contar do conhecimento do montante do segundo abono mensal por desemprego, foi demasiado curto. O recibo da prestação não indicava as razões da dedução e Raihani teve de perder tempo a informar-se, a pedir apoio judiciário, a obter o patrocínio de um advogado que teve, ele próprio, de articular a oposição de Raihani. Este, de resto, não viu a sua oposição ser recebida por poucos dias.  Houve, assim, uma falha na proporção entre o esforço exigido a Raihani e o resultado que foi atribuído ao quadro legal vigente, face à situação concreta, que resultou no não recebimento da oposição do requerente.

Neste sentido, Raihani não beneficiou do direito de acesso a um tribunal, incorrendo a Bélgica em violação do artigo 6.º par. 1 da Convenção europeia dos direitos humanos.

Sempre esclarecedoras, duas opiniões dissidentes explicam que a Bélgica terá dado tempo bastante a Raihani para exercer o contraditório, o que de certo modo se depreenderia do facto de ele não ter conseguido, por pouco tempo, ver recebida a sua oposição.

Somos, contudo, sensíveis à situação de urgência, num quadro de desconhecimento, após o regresso de cumprimento de pena, que não corresponde ao ambiente comum de um quadro processual civil em que as várias tomadas de posição dos sujeitos se seguem de um modo ordenado e previsível.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira