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TEDH, 16 de dezembro de 2014, Horncastle e outros c. Reino Unido

5 jan 2015

Direitos das vítimas.  Depoimentos por estas prestados com impossibilidade de comparência destas em juízo.  Salvaguardas que os tornam admissíveis.  Hearsay evidence.

P.R. bebia compulsivamente. Em dia de forte embriaguez, alguém levou para sua casa um televisor e um equipamento vídeo furtados de uma outra fração do condomínio e os colocou na cama do seu quarto.  Horncastle e um amigo vieram recuperar o material e agrediram-no com consequências graves.  Interrogado pela polícia, P.R. prestou o seu depoimento que ficou registado em auto.  Durante o processo, P.R. vem a falecer por causa associada ao seu permanente alcoolismo.  Horncastle e o seu amigo são condenados na base do depoimento de P.R. repousando no princípio da Hearsay evidence, tendo sido observadas garantias para a qualidade da prova.

H.M. estava a tomar banho na fração em que vivia com o seu namorado quando Marquis e Graham entraram, causando-lhe um irreversível temor.  Vieram a raptá-la e ameaçaram-na com medidas terrorizantes, que foram corroboradas pela polícia que sugeriu a H.M. a mudança de região do Reino Unido para residir.  H.M. em tribunal, foi incapaz de testemunhar, tendo entretanto sido lavrado auto das várias ocorrências desde o rapto à sua recuperação pelo seu pai.  O juiz do processo confirmou o estado de temor insuperável em que estava H.M. Graham e Marquis foram condenados com base na admissão da Hearsay evidence, tendo sido observadas garantias para a qualidade da prova.

Horncastle e o seu amigo, Marquis e Graham depois de vários recursos judiciais internos infrutíferos, queixaram-se ao TEDH baseando-se no art.º 6º § 1 da CEDH, direito a um processo equitativo e § 3 do mesmo artigo, direito a contra examinar as testemunhas.

A Hearsay evidence é um depoimento diverso daquele que é produzido pela testemunha na sua prestação oral em juízo (§ 90).  Apenas é admissível se existirem segundo a Common Law uma regra ou uma disposição estatutária que o aceitem em circunstâncias definidas.

O Ato ( direito criminal) de 2003 prevê na sua seção 114(2) a admissão deste meio de prova, nomeadamente se as circunstâncias a impuserem (al. d).

Ora sucede que P.R. não podia mais testemunhar em juízo, por ter falecido entretanto, e que ficara o seu depoimento como peça probatória decisiva para o julgamento do caso.  Quanto a H.M. o seu estado de permanente terror após as ameaças e os maus tratos que sofreu durante o seu rapto eram tais que a impossibilitavam de depor e que teria sido desumano expô-la a um exame em juízo que aumentasse o seu sofrimento.

O TEDH examinou o caso à luz do seu Acórdão proferido no caso Al-Khawaja e Tahery c. o Reino Unido, de 2011, também objeto de notícia nesta página eletrónica, e à luz do seu Acórdão no caso R. c. Ibrahim, de 2012.

Considerou que as jurisdições Britânicas haviam bem examinado os dois casos, uma vez que o juiz tinha observado o teste das counterbalancing measures ao propor-se aceitar a Hearsay evidence.  Com efeito, havia colocado as questões de saber se esta prova era admitida por lei no caso concreto, tinha procurado saber da importância dos depoimentos escritos para a decisão final, tinha procurado aferir a sua confiabilidade para decidir o caso com segurança e tinha procurado saber se, ao aplicar estas medidas, ainda garantia aos arguidos um processo equitativo.

Conseguiu num ponto contestado, assegurar-se que a confirmação pela polícia da perigosidade dos arguidos em relação a H.M., não fora o que mais determinara o seu estado de terror psicótico, mas verdadeiramente, as ameaças dos arguidos e as circunstâncias do rapto desta.

Por fim, avisou os jurados que decidiram em primeira instância, das várias dificuldades da hearsay evidence e da responsabilidade destes em proferirem o veredito de culpado ou não culpado frente à delicadeza necessária no manuseamento desta modalidade de prova.

Pelo que, para o TEDH, não houve negligência da parte das Autoridades Britânicas ao decidirem como decidiram.  Não se podia deixar o caso de P.R. sem justiça por este ter falecido, ainda que de outra causa que a do crime, e não se podia impor a H. M. o tormento de uma prestação de testemunho em juízo quando esta estava em tensão emocional tão profunda que, quando veio a ser notificada do desfecho final do caso, o correio não chegou por já residir em parte incerta.

Temos aqui um caso em que, perante arguidos que certamente mereceram a justiça que lhes foi aplicada, os interesses das vítimas, pelo menos de H.M., foram cuidadosamente acautelados por instâncias nacionais e internacional.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira