Simp

Está aqui

TEDH, 16 de julho de 2015, Nazarenko c. Russia

20 jul 2015

Criança cujo pai registado é diferente do pai biológico nascida na constância do casamento. Exercício da paternidade pelo pai não biológico. Separação dos pais. Partilha das responsabilidades parentais. Superveniência de conflito entre ambos. Retirada total e definitiva dos direitos e deveres parentais ao pai não biológico. CEDH, artigo 8º. Direito à vida privada e familiar. Violação.

Nazarenko e N casaram.  Na constância do matrimónio, N deu à luz uma menina, resultante de um anterior relacionamento, cuja paternidade Nazarenko assumiu.  Alguns anos mais tarde, Nazarenko e N. divorciaram-se, tendo havido lugar à regulação do poder parental entre ambos com um regime de guarda da criança, atribuído por algum tempo, ao pai.  A menina, A., queixou-se de maus tratos e de abuso sexual por parte do novo companheiro da mãe. Nazarenko queixou-se diante dos tribunais, os quais não consideraram as alegações de A. de que vivera feliz com Nazarenko e sofria com o novo companheiro da mãe. Entenderam que as marcas deixadas no seu corpo pelos alegados maus tratos poderiam ficar a dever-se a quedas ocorrida durante brincadeiras de menina.

N veio a impugnar a paternidade de Nazarenko, tendo este sido submetido a um teste de ADN.  Como era de esperar o teste foi negativo. Os tribunais entenderam, então, dar provimento aos pedidos de N. e retiraram a Nazarenko qualquer forma de relacionamento com relevância jurídica com A.  Assim, Nazarenko deixou de estar inscrito no registo como pai de A. e ficou proibido de manter qualquer contacto com a menina.

Após um longe percurso judicial em que viu as suas pretensões recusadas por várias vezes, Nazarenko queixou-se ao TEDH.

Este entendeu, à luz da sua já consolidada jurisprudência, que existem relações relevantes para a vida privada e familiar, e para o parentesco, entre pessoas que não possuem laços de sangue, concluindo, assim, que a questão releva, com efeito, do artigo 8º da CEDH.

E olhando para o historial deste caso, entendeu que as autoridades russas não cumpriram a obrigação positiva a seu cargo, de estudar cada caso, separadamente e em detalhe.  Este caso merecia ter sido apreciado tendo em conta o relacionamento existente entre A. e Nazarenko, as queixas de A. e a manifestação, pela menina, de modo expresso, das suas preferências.

Ao considerarem, de modo seco, que a prevalência é sempre, de modo automático e não discriminado (em função de cada situação concreta), dada à relação da mãe com a criança, excluindo, de modo definitivo, de qualquer relacionamento, quem procedeu ao reconhecimento da menina, e à assunção das responsabilidades parentais para com esta, as autoridades russas não respeitaram a obrigação positiva a seu cargo de examinarem cada caso individualmente, sem soluções automáticas.

Houve assim, para o TEDH, violação do artigo 8º da CEDH, direito à vida privada e familiar, por parte das autoridades russas.

Nazarenko tinha, ainda, pedido o exame do seu caso à luz do artigo 6º § 1 da CEDH (direito a um processo equitativo) combinado com o artigo 13º da CEDH (direito a um recurso efetivo).  Existiram, com efeito, várias irregulares no processo a que o TEDH deu relevância, ao examinar a questão sob o ângulo do artigo 8º da CEDH. Assim, aceitando este segmento da queixa, sob a perspetiva da admissibilidade, o TEDH veio a não a considerar, na medida em que procedeu ao seu exame juntamente com as matérias relevando do artigo 8º da CEDH.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira