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TEDH, 16 de março de 2017, Olafsson c. Islândia.

20 mar 2017

Carreira política. Candidatura a cargo político de responsabilidade. Acusações da parte de primas agora adultas, de violações na sua infância. Artigos de imprensa. Queixa por difamação. Condenação do Editor. Interferência legítima mas não necessária numa sociedade democrática. CEDH, art.º 10.º Liberdade de expressão, violação.

No contexto de uma campanha eleitoral, A., um candidato a um lugar político de responsabilidade, foi acusado por duas primas de violação, na infância, destas. Muito sumariamente, as primas afirmavam que um político não deveria adotar comportamentos desta natureza e que deixar uma pessoa deste caráter concorrer a cargos políticos representava um perigo para a sociedade, ultrapassando o quadro mais restrito da vida privada e familiar dos primos.

B. um jornalista de um jornal eletrónico, apoderou-se da questão, contatou as irmãs, verificou as suas afirmações e procurou apurar a verdade, obtendo confirmação do serviço de proteção à infância, o que não conseguiu, atento o silêncio das autoridades. No decurso do processo de queixa diante do TEDH, veio a apurar-se que as moças se tinham queixado à polícia, mas que as autoridades não tinham dado seguimento à sua queixa.

B. publicou o seu artigo, A., o político candidato e visado, respondeu em artigo de imprensa e a imprensa tomou conta dos factos, verificando-se um conjunto de publicações cruzadas.

A. queixou-se por difamação contra o Editor do jornal eletrónico que havia procedido à publicação dos artigos de B.

A primeira instância isentou B de culpa, mas considerou existir um dever de supervisão do editor, devendo este assegurar-se que os artigos publicados pelos autores do seu jornal eletrónico não ofendiam os direitos de terceiros, nem lhes causavam danos na sua vida privada.

A. recorreu e o Supremo Tribunal Islandês considerou haver culpa de B. Condenou este no pagamento de 1 600 E por danos morais, acrescidos de 6 500 E, a título de danos materiais e de custas judiciais. Anulou as declarações litigiosas de B, ordenando a republicação sem os extratos controvertidos. As autoridades islandesas decidiram num quadro em que a lei penal apenas previa a responsabilidade de um jornal de papel. Sendo proibida a analogia, Olafsson não poderia ser responsabilizado. Contudo, impendia sobre este um dever de cuidado no desenvolvimento da sua atividade de Editor de um jornal eletrónico.

B e o Editor queixaram-se ao TEDH. Decidindo sobre o mérito, o TEDH entendeu haver interferência da autoridade pública no direito à expressão livre de B. Esta interferência estava prescrita por lei, uma vez que esta previa e punia o comportamento de B. Tendo a lei por fim a proteção de terceiros, a interferência legal era legítima.

Ficou por examinar o último critério, o da proporcionalidade da medida, traduzida na expressão da sua necessidade numa sociedade democrática.

Neste ponto o TEDH verificou que o jornalista, B, havia sido rigoroso. Investigou as fontes oferecidas e procurou apurar a verdade das acusações das irmãs. Chegou a procurar o serviço de Proteção à Infância que lhe negou a informação pertinente. Sabe-se ainda que as autoridades conheciam de há muito as queixas das irmãs, uma vez que as haviam arquivado. A. por seu turno, dispôs de um direito de resposta na imprensa que exerceu, publicando um artigo num jornal.

Para o TEDH, é jurisprudência assente que não existe o dever do jornalista de se afastar da informação, apenas porque o tratamento de uma questão pode prejudicar terceiros. Embora deva procurar não o fazer, não pode ser obrigado ao silêncio quanto tenha observado as necessárias cautelas. Punir alguém com este fundamento, de colocar em perigo terceiros na emissão e difusão de uma notícia ou de uma opinião, é cercear a liberdade de expressão.

Assim, embora as alegações de pedofilia de A fossem graves, esta questão já era conhecida e A. poderia ter optado por se queixar de difamação da parte das irmãs, voltando-se contra estas. Ora A.   escolheu responsabilizar o Editor do jornal eletrónico.

Por fim, a condenação foi materialmente elevada, tendo em conta a realidade vivida na Islândia, e sobretudo impediu uma comunicação que, por ter sido rodeada de um conjunto amplo de garantias, se havia tornado legítima.

Houve por isso violação do direito à livre expressão de B. Violação, por unanimidade dos juízes do TEDH, do artigo 10.º da Convenção europeia dos direitos humanos. 

 

por: Paulo Marrecas Ferreira