Simp

Está aqui

TEDH, 16.07.2015 Decisão de inadmissibilidade proferida nos casos apensos Nicklinson e Lamb c. Reino-Unido

10 ago 2015

Perda quase total de autonomia física. Sofrimentos incomportáveis para a dignidade da pessoa humana. A questão do suicídio assistido.

Nicklinson teve um acidente cardiovascular e ficou totalmente paralisado, não se podendo alimentar por si, não se podendo mexer, sofrendo dores insuportáveis que o faziam carecer de tratamentos na base de morfina, e comunicando apenas com a direção do olhar para um computador que permite este tipo de comunicação.

Lamb sofreu um acidente de viação que o tornou totalmente paralisado, podendo apenas, e com muitas limitações, mexer a mão direita. Também ele ficou condenado à comunicação por meio de um computador capaz de captar a direção do olhar.

Ambos apresentaram os seus casos à Justiça do Reino-Unido, pedindo a assistência no suicídio. Nicklinson, admitindo que poderia deixar de aceitar os alimentos e de beber água, preferia um suicídio assistido por meio de uma injeção letal.

Lamb descobriu a existência de uma máquina que permitia o suicídio através de uma comunicação visual com um computador que a seguir transmitiria a ordem de pôr termo à vida.

Apesar de no caso Pretty c. Reino-Unido, o TEDH ter decidido que a admissão do suicídio assistido estava nas mãos dos Estados por via legislativa, continua em vigor a lei de 1961 que despenaliza a tentativa de suicídio mas proíbe o auxílio ao suicídio. Esteve pendente, em 2014, um projeto-lei de admissão do suicídio assistido, mas, no momento previsto para o seu debate ocorreram eleições legislativas, pelo que o projeto não chegou a ser debatido. Não foi retomado na legislatura atual.

Os vários juízes das instâncias superiores chamados a examinar o caso de Nicklinson, pronunciaram-se no sentido de que, diante de um tema tão sensível, tão delicado, não compete aos magistrados interferirem numa decisão legislativa que, por natureza, compete ao Parlamento. Apesar das posições da Baroness Hale e de Lord Kerr (§§ 53 e 55) que entenderam existir uma incompatibilidade entre a lei de 1961 e o artigo 8º da CEDH que mereceria exame, estes juízes foram vencidos, prevalecendo o parecer de que esta matéria é reservada ao Parlamento.

No caso de Lamb, este veio a modificar a sua estratégia processual. Após ter abordado o caso como Nicklinson, veio a limitar a sua argumentação à questão da existência obrigatória de um meio judicial que permitisse a um interessado pedir à Justiça a permissão para cometer um suicídio assistido.

Os dois pedidos foram rejeitados pelas altas instâncias do Reino-Unido que entenderam não existir neste país a possibilidade de praticar um suicídio assistido.

Em desespero de causa, Nicklinson deixou de se alimentar e de beber água, vindo brevemente a falecer. Foi a sua esposa quem prosseguiu o processo, perdeu e se queixou ao TEDH.

Examinando as questões, o TEDH entendeu que elas relevam com alguma intensidade da autonomia dos Estados. Ou seja, este será um assunto em que, se não se verificar alguma negligência da parte dos decisores nacionais, dificilmente poderá o TEDH intervir. Não lhe compete, assim, frente à autonomia dos Estados relativamente à CEDH, decidir se estes devem criar um mecanismo que permita aos particulares solicitarem a assistência para o suicídio, esta decisão cabendo à ordem institucional dos Estados. E pela mesma razão, quando os tribunais nacionais decidiram não poder interferir com o respetivo Parlamento, não compete ao TEDH dizer que o deveriam ter feito. Por estes dois conjuntos de razões foi a queixa de Nicklinson declarada inadmissível à luz do artigo 35º da CEDH. Quanto à queixa de Lamb que o TEDH havia apenso, esta não pôde ser recebida pelo TEDH na fase da admissibilidade porque Lamb tendo reduzido a sua argumentação à questão da necessária (ou não) existência de um meio judicial para pedir a assistência ao suicídio, acabou por não esgotar os meios judiciais argumentativos no plano interno, não tendo dado à High Court a oportunidade de examinar a questão de saber se os tribunais deveriam poder interferir com autonomia, em decisões de cariz legislativo em princípio reservadas ao Parlamento. As duas queixas apensas foram, assim, rejeitadas no plano da admissibilidade.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira