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TEDH, 17 de setembro de 2015, Jacky Renard e outros c. França. Dever de reenviar uma questão prejudicial a uma outra instância judicial

21 set 2015

Alegadas violações do princípio da equidade processual em casos de condenações por fraude. Novidade e utilidade das questões. Exigência feita à Cour de Cassation francesa de reenviar as questões prioritárias de constitucionalidade para o Conselho Constitucional. Não reenvio. Artigo 6.º § 1 da CEDH, não violação. Uma referência à mais lata questão do reenvio da questão a título prejudicial ao TJUE no quadro do art.º 6º § 1 da CEDH.

Jacky Renard assim como, em sede de outros processos, três outros agentes de infrações fiscais e de infrações penais de natureza económica, já condenados, ou, num caso, na pendência do processo, colocaram à Cour de Cassation, as questões prioritárias de constitucionalidade, exigindo desta que as submetesse ao Conselho Constitucional francês. Para bom entendimento, esclareça-se que Jacky Renard e dois dos outros requerentes haviam sido condenados, enquanto outro requerente desencadeou esta diligência na fase pré julgamento.

A questão prioritária de constitucionalidade é um mecanismo vigente em França desde 2008 que, ligando-se uma questão a um caso concreto e levantando-se neste uma questão de direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição, permite a um particular, no quadro de um processo judicial, colocar o problema à Cour de Cassation para que esta reenvie a questão a título prejudicial ao Conselho Constitucional. A instância é suspensa até à decisão deste que se repercutirá na decisão concreta do caso pelo tribunal competente. Parece situar-se, no conjunto destes mecanismos, entre o recurso de amparo constitucional espanhol e alemão, e o recurso de apreciação concreta de constitucionalidade, existente no direito português. Diferentemente do mecanismo português parece ter uma capacidade própria no sentido de influenciar o concreto resultado do processo em que se coloca, não se limitando ao debate da constitucionalidade das normas.

Os vários requerentes, condenados ou em vias de o ser, colocaram, assim, em tempo útil, as suas questões prioritárias de constitucionalidade incidindo sobre alegadas violações de direitos criadas por disposições do Código Penal, e sobre a capacidade do juiz, de acordo com as regras aplicáveis de processo civil, de condenar as partes lesantes em indemnização calculada segundo juízos de equidade, em benefício das partes lesadas.

A Cour de Cassation recusou cumprir os pedidos de reenvio das questões a título prejudicial por não as considerar novas, nem úteis, uma vez que estas questões já estarão satisfeitas em termos de resposta, pela anterior jurisprudência, seguida nos casos concretos, dos tribunais superiores franceses.

Queixaram-se ao TEDH, alegando processos não equitativos e a correspondente violação do artigo 13º da CEDH, ou seja a ausência de recursos efetivos, uma vez que a Cour de Cassation não cumpriu os pedidos de reenvio.

O TEDH examinou os casos unicamente à luz do art.º 6º § 1 da CEDH, uma vez que este artigo contém a resposta à questão da equidade processual e do recurso efetivo, consumindo, por ser lex specialis, a disposição do artigo 13º da CEDH.

E, observando cuidadosamente o direito vigente, concluiu que não havia violação do artigo 6º § 1 da CEDH. Em vários casos, os arguidos acabaram por ser condenados em penas e indemnizações modestas, de que não recorreram. Num caso, o processo principal ainda não está decidido pelo que a questão colocada é prematura.

Ao justificar a não violação da disposição do artigo 6º § 1 da CEDH pela Cour de Cassation, o TEDH concluiu que esta tinha justificado as suas decisões e que não havia marca de arbítrio da sua parte. Enfim, as partes condenadas puderam sempre expor todos os seus argumentos sem que se vislumbrasse uma dimensão de não equidade nos seus processos.

Remeteu ainda, numa dimensão de grande interesse para a sua jurisprudência, relativa à não obrigação de reenvio da questão a título prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, quando esta é pedida por uma parte no processo interno, à luz do artigo 234º do Tratado instituindo a Comunidade Europeia e da própria jurisprudência do TJUE.

Este, nomeadamente, em sede de jurisprudência exarada no caso CILFIT, nomeadamente, havia dito que o reenvio a título prejudicial não representa um recurso ao TJUE, nem é sequer uma queixa por violação de direitos. Antes consiste num pedido de interpretação do direito da União Europeia vigente, o que não significa, em particular se o tribunal de reenvio houver observado todas as exigências do artigo 234º do TCE, que ele esteja obrigado a reenviar a questão colocada a título prejudicial.

Neste caso, o TEDH explicita a sua posição. A questão da eventualidade de um reenvio é, por este Alto Tribunal, examinada à luz do artigo 6º § 1 da CEDH, simultaneamente a título da questão da existência de um recurso efetivo e a título da observância das exigências de um processo equitativo. Apenas haverá ilicitude à luz da CEDH se a recusa de reenvio infringir a equidade processual, ou se for arbitrária. A recusa do reenvio é legítima quando for fundamentada, o que aconteceu nos casos sub judice. Além disso não infringiu a equidade processual porque as partes puderam expor todos os seus meios e argumentos perante a justiça. Quanto ao mais, caberá aos tribunais nacionais uma margem relevante de apreciação da necessidade de, no caso concreto, decidir proceder, ou não, ao reenvio.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira