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TEDH, 18 de maio de 2017, Johannesson e outros c. Islândia

22 maio 2017

Deficiente declaração de rendimentos.  Condenação no pagamento de multa. Abertura de processo penal subsequente por deficiente declaração de rendimentos. Condenação em pena suspensa em razão da demora do processo. CEDH Protocolo n.º 7 artigo 4.º Não condenação duas vezes pela mesma infração, ne bis in idem. Violação. 

Johannesson e outra pessoa singular, juntamente com uma empresa, apresentaram queixa contra a Islândia ao TEDH por terem sido julgados e punidos duas vezes pela mesma infração, com relevância penal.

O fundamento dos processos que lhes foram movidos foi uma deficiente declaração de rendimentos, pela qual vieram a ser condenados em pena de multa, tendo sido subsequentemente aberto um outro processo que também culminou com uma condenação, suspensa esta, porque o Supremo Tribunal da Islândia reconheceu ter existido uma demora não razoável neste segundo processo.

Johannesson e as duas outras pessoas (uma singular, outra coletiva), queixaram-se, assim que os recursos internos foram esgotados, contra a  Islândia. Entendiam que o Supremo suspendeu a execução da pena pela qual foram condenados no segundo processo em razão da demora deste, e não em consideração do facto de terem já sido condenados no pagamento de uma multa de certo valor.

Olhando para a realidade do processo, o TEDH, reunido na sua primeira Seção, verificou que o fundamento das duas condenações fora uma deficiente declaração de rendimentos. Tendo sido convidados os queixosos a se pronunciarem, a sociedade queixosa não o fez, pelo que o TEDH a excluiu a partir de então da queixa que considerou ser inadmissível quanto a ela.

Procurou saber se os dois processos tinham natureza penal, tendo concluído em sentido afirmativo, a pena pecuniária era uma multa, e o segundo processo tinha natureza penal.

Um elemento que foi importante para a identificação da identidade dos processos em relação ao seu fundamento e à sua natureza penal, foi uma decisão do Tribunal da Comarca de Reykjavik que entendeu que a pena pecuniária tinha a natureza de uma multa e que os factos que fundamentaram os dois processos foram os mesmos. Apesar desta decisão, o Supremo Tribunal entenderia diversamente, vindo a condenar os queixosos. Mesmo assim, a conclusão a que chegou o Tribunal da Comarca de Reykjavik foi decisiva para o TEDH.

Por outro lado, para saber se um processo tem natureza penal, à luz dos critérios das disposições de direitos humanos da CEDH e dos seus protocolos, o TEDH construiu em 1976 a chamada jurisprudência Engel, segundo cujos critérios, um processo é penal para o efeito da aplicação das disposições da CEDH, se possuir a natureza de um processo penal à luz do Direito interno. Por outro lado a multa representa 25 por cento do montante que não foi declarado ou que o foi deficientemente, pelo que esta percentagem tem um peso suficiente para poder ser considerada como uma pena, diversamente de uma sanção ou incitamento de natureza administrativo.

Debruçando-se ainda sobre a questão da identidade dos fundamentos dos processos, a mesma infração poder ser punida duas vezes, o TEDH procurou saber se os factos que estavam subjacentes a estes fundamentos eram os mesmos. E eram, na medida em que se tratava da mesma deficiente declaração de rendimentos.

Outro critério seria o de ter sido dada uma decisão final nos dois casos. O TEDH não o valorizou considerando-o irrelevante. Para o TEDH o que aconteceu foi um complexo conjunto de processos que teve por efeito uma condenação por duas vezes, dos queixosos. Não considerou ser importante a questão de saber se existiriam ou não duas decisões finais no mesmo sentido. O certo, ainda assim, é que existiram. Por um lado, os queixosos foram condenados em multa, e por outro, vieram a ser condenados numa pena, suspensa em razão da morosidade do processo. E a morosidade por traduzir demora, pela qual os arguidos em processo interno viram, neste segundo processo, as suas penas suspensas, não significou, embora fosse reconhecida, que o Supremo Tribunal nacional tivesse reconhecido, ao suspender a pena deste segundo processo, que haveria repetição de condenações.

Enfim, um último critério foi o da duplicação de processos. E sendo os factos porque foram julgados substancialmente os mesmos, apenas não existiria a duplicação dos processos se existisse entre ambos uma conexão que permitisse aceitar que estes processos acabassem por ser conduzidos contra os queixosos. Ora a conexão procurada, que justificaria a cumulação de dois processos contra os arguidos não existiu. A condenação em multa ocorreu rapidamente. O processo criminal subsequente demorou nove anos para ser julgado, tendo-se carreado uma pesada prova em penosas investigações e longas audiências, que não houve o cuidado de procurar no processo que conduziu à aplicação da pena de multa. Por esta razão, o TEDH entendeu que, faltando uma conexão entre os dois processos que pudesse justificar que um continuasse quando o primeiro estava já concluído, não existia a identidade do mesmo processo mas uma duplicação de processos, com fundamentos idênticos. Houve assim a duplicação de processos necessária para que se verificasse a repetição – bis – dos processos, própria da proibição do julgamento por duas vezes, ne bis in idem.

Curiosidades da Justiça, a pena pecuniária de multa não foi executada e a pena do segundo processo foi suspensa. Na medida em que não houve cumprimento de pena, o TEDH apenas pôde condenar a Islândia na violação do artigo 4.º do Protocolo n.º 7 à CEDH, por violação do princípio ne bis in idem, mas não pôde ordenar a restituição de qualquer montante, tendo apenas ordenado o pagamento de danos morais, pelo sofrimento dos arguidos durante os longos anos em que tiveram de suportar a incerteza do segundo processo penal. 

 

por: Paulo Marrecas Ferreira