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TEDH, 19 de Fevereiro de 2015, Quinta Secção, casos Bohlen e Von Hannover c. Alemanha

19 fev 2015

Personagens públicos, exposição de factos da vida privada. Publicidade satírica por marca de cigarros. Hierarquia entre o valor da liberdade de expressão e o direito à indemnização por utilização da dimensão privada. Caráter não ofensivo da publicidade. Prevalência do direito à livre expressão sobre o direito à indemnização por utilização do domínio privado. Art. 8º CEDH. Não violação.

Em dois casos diferentes (não foram apensos pelo TEDH) Bohlen, um músico e autor de um livro cujo conteúdo foi alvo de várias proibições, chegando a considerar-se censurado; e Ernst August Von Hannover, um membro da família V. Hannover, notado por alguns comportamentos de irritação recentes que conduziram a pequenos confrontos físicos, queixaram-se ao TEDH do modo como a Justiça alemã considerou os seus casos.

A British-American Tobacco GmbH utilizou com efeito alusões à imagem pública destas pessoas em publicidade satírica. A publicidade referente ao músico-escritor censurado mostrava dois maços de cigarros em que se apoiava um marcador negro, sugerindo que se Bohlen empregasse o marcador para cortar as suas passagens difíceis, os seus conteúdos não seriam alvo de cortes por terceiros.

A publicidade relativa a E.A. v Hannover mostrava um maço de cigarros amachucado com a pergunta, “Foi E.? ou A.?”

Os Requerentes propuseram as competentes ações judiciais e, uma vez que o dano da publicidade estava causado, pediram aos tribunais internos a concessão de uma licença fictícia que operaria no sentido de legitimar a conduta da British American, forçando-a a compensá-los pelo emprego lucrativo do seu nome e imagem no domínio comercial.

As primeiras instâncias em ambos os casos deram razão aos Requerentes, as Segundas Instâncias diminuíram os valores indemnizatórios e o Supremo Tribunal Federal, entendendo que as publicidades embora de fim lucrativo não continham caráter ofensivo, reportavam-se a personagens públicos e a factos conhecidos do público, decidiu que entravam no domínio da liberdade de expressão. Liberdade de expressão que não deve ser distinguida em função de ser ou não lucrativa. Por outro lado, a busca de uma compensação patrimonial não recebendo tutela constitucional, mas representando um meio pertencente ao direito civil, deveria ceder diante do valor merecedor de tutela constitucional da liberdade de expressão.

Instado a pronunciar-se por meio de duas queixas que a sua Quinta Seção considerou admissíveis, mas não apensou, como o faz frequentes vezes, o Tribunal Europeu entendeu que é de sufragar a posição do Supremo Tribunal Federal. Sendo os personagens públicos, estarão expostos, a publicidade é satírica mas não ofensiva, e, retomando as palavras do STF, entra no domínio de um debate de interesse geral (qual seja o da apetência do público em acompanhar os acontecimentos em volta do músico escritor e em saber da vida dos príncipes da Europa), pelo que, para a Quinta Seção, não existe violação do art.º 8º da CEDH, direito à vida privada e familiar.

O Juiz Zupancic, em sempre lúcidos votos de vencido, faz notar que ainda que a marca se limitasse a brincar sem ofender com acontecimentos recentes, os critérios do que é público e por isso pertinente para a liberdade de expressão poderiam ceder perante o direito à tranquilidade dos personagens atingidos, o direito a gozarem livremente da sua esfera privada sem que alguém acrescente mais alguma coisa, de modo eventualmente assediante, a um debate que, embora conhecido, talvez não importe mais prosseguir.

Estes acórdãos não encerram uma solução fácil ou evidente.  Com efeito, o meio empregue pelos Requerentes foi, no plano interno, o pedido da emissão de uma licença fictícia que, autorizando a marca a empregar a evidência da sua imagem, os compensaria.  Como se passariam as coisas, à luz do direito alemão se não se tivesse pedido a emissão de uma licença fictícia mas se tivesse sido invocado um direito de personalidade merecedor de tutela que não deveria ser perturbado, ou mais incomodado por uma liberdade de expressão, para mais na prossecução do lucro? Se tivesse sido invocada a sua posição de vítimas? Seria operante uma pretensão desta natureza?


Autor: Paulo Marrecas Ferreira