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TEDH, 1ª Secção, Hambardzumyan c. Arménia, Acórdão de 5 de dezembro de 201

18 dez 2019

CEDH, Artigo 8.º § 1, Direito à vida privada e familiar, operação encoberta para apurar a verdade fundamentada numa decisão judicial sem identificação adequada da destinatária, sem definição exata (sem a limitação correspondente), e sem supervisão judicial da medida de polícia: violação. Artigo 6.º § 1 iniquidade alegada do processo por este se ter fundamentado em prova ilicitamente obtida. Na realidade existiu prova complementar bastante. Não violação. .

Karine Hambardzumyan queixou-se contra a Arménia por ter sido sujeita a medidas de vigilância secretas, as quais conduziram à obtenção de prova ilegítima, que foi empregue num processo penal em que era arguida e no qual acabou por ser condenada.

A queixosa era a Diretora adjunta da unidade das mulheres na prisão de Abovyan. Uma das reclusas queixou-se de que Karine lhe teria pedido uma soma de dinheiro para autorizar o seu pedido de transferência para uma unidade penitenciária em regime aberto. Na mesma data, o Diretor do Serviço contra o crime organizado pediu ao tribunal da Comarca a autorização para proceder a operações de vigilância, contra a Diretora adjunta. O pedido foi concedido pelo tribunal, tendo então a polícia iniciado uma operação encoberta visando a queixosa. Num dia determinado, foi marcado encontro com um agente infiltrado, o qual levava dinheiro em notas revestidas de uma certa substância química. A queixosa recebeu o dinheiro, enquanto o agente infiltrado gravava a conversa. Foi detida e presa no mesmo dia.

Foi arguida do crime de corrupção passiva, envolvendo uma larga quantia de dinheiro, o que contestou dizendo que, na realidade, lhe estava a ser paga uma dívida. Veio a ser condenada em nove anos de prisão. No final do processo, queixou-se ao TEDH, pela violação do artigo 8.º § 1 da CEDH, direito à vida privada e familiar, e por violação do artigo 6.º § 1 da CEDH, iniquidade processual.

No tocante ao artigo 8.º da CEDH, o TEDH admitiu a queixa e, quanto ao fundo, aceitou ter existido uma interferência no direito à vida privada e familiar da queixosa. Para responder à questão de saber se a interferência era justificada, o TEDH procurou saber se a medida estava de acordo com a lei, se prosseguia um fim legítimo, nomeadamente à luz das exigências do artigo 8.º, e se era necessária numa sociedade democrática. Quanto à existência de uma previsão legal, o TEDH especificou que não apenas a medida aplicada deve ter cobertura legal, mas que a lei que a fundamenta deve possuir uma certa qualidade, à luz dos valores que a CEDH defende.

Sucede que a queixosa não contestou a legitimidade das ações encobertas, contestou, sim, o modo da sua aplicação e do seu exercício, no seu caso. Para ela, a identificação da destinatária da medida não fora feita no mandado judicial, e este carecia de previsão quanto à extensão e aos limites dos poderes que concedia. Enfim, falhara a supervisão judicial da aplicação da medida.

Ora, o TEDH verificou que, do historial da atividade policial e da leitura do mandado, a identificação da destinatária não foi clara, a definição dos poderes concedidos permaneceu vaga e não houve um acompanhamento pelo tribunal da atividade da polícia, esta não tendo, nomeadamente, reportado àquele o decurso da investigação.

Por tudo isto se verificou a violação do artigo 8.º § 1, direito à vida privada e familiar.

A queixosa ainda reclamou da iniquidade do seu processo à luz do artigo 6.º § 1 da CEDH, na medida em que foi empregue uma prova ilicitamente obtida contra ela. Após ter também admitido este segmento da queixa, e julgando o mérito, o TEDH adiantou que a CEDH não define o modo de obtenção da prova, este sendo regido pelo direito interno. A questão para o Tribunal é a da avaliação da equidade do processo, nomeadamente no plano da obtenção e uso da prova, à luz das regras do direito interno e das exigências da CEDH. Esta avaliação exige a observação da medida de respeito dos direitos da defesa. Nomeadamente, a questão de saber se foi dada a alguém a oportunidade de contestar a prova contra ele aduzida bem como a sua validade.

Da observação do processo, o TEDH concluiu que foi, na forma, dada a oportunidade à queixosa de desafiar a prova e o modo como foi obtida, no processo interno, o que esta fez. Embora o TEDH tenha verificado que o tribunal de segunda instância penal não considerou as alegações da queixosa, ao manter a condenação desta pela primeira instância, significando que os seus esforços ficaram sem qualquer eficácia, também verificou que a prova obtida por meio da ação encoberta não foi a única prova do processo, mas que a própria denúncia da parte da reclusa que pedira a transferência para estabelecimento em regime aberto, foi considerada e aprofundada. Esta denúncia foi o que despoletou o processo e a prova, cuja materialização permitiu, foi considerada pelos tribunais arménios. Destarte o TEDH entendeu não existir a violação do artigo 6.º § 1 neste processo de queixa.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira

Fonte: Tribunal Europeu dos Direitos Humanos