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TEDH, 2 de Abril de 2015. Vinci construction e GTM génie civil et services c. Franca

7 abr 2015

Investigação criminal. Direction générale de la concurrence. Pedido de autorização de buscas domiciliárias em sede e computadores das empresas. Despacho do juge des libertés et de la détention. Extensão da busca para além do permitido. Prática da Comissão Europeia. Art. 6º par. 1 CEDH violação. Mero controlo formal de regularidade das buscas. Art.º 8º da CEDH, violação.

Vinci construções e GTM construção civil foram investigadas pela Direction générale de la concurrence francesa por terem chegado a um acordo procurando uma posição de domínio ou pelo menos de vantagem, com prejuízo da concorrência, no mercado relevante.

A direction générale de la concurrence, organismo incumbido de velar pela integridade do mercado e pela repressão das fraudes, após uma investigação, pediu ao juge des libertés et de la détention, competente para este tipo de despacho, uma autorização para proceder a buscas na sede das duas empresas. O juiz emitiu o despacho correspondente e a DGCCRF procedeu às buscas nas sedes das empresas, procurando documentação e ficheiros eletrónicos e efetuando buscas em computadores de pessoal, nomeadamente no plano dos registos do correio eletrónico.

Uma abundante documentação foi assim obtida, a qual ia muito para além do conteúdo em substância do mandado judicial e compreendia comunicações, aceites como reservadas também pelas autoridades (pelo respeito do direito à não auto incriminação, nomeadamente), comunicações essas, em registos de correio eletrónico entre funcionários das empresas e os advogados destas, normalmente cobertas pelo sigilo profissional.

A Cour de Cassation, na sua jurisprudência vem afinando critérios que a levam a ter hoje a posição segundo a qual compete ao juiz da causa afastar e restituir a prova obtida em excesso, cuja apreensão, porque sem mandado, é ilícita. Contudo a existência desta prova não prejudica a válida obtenção da prova relevante para a acusação penal.

Nos casos de concorrência, a Comissão Europeia está obrigada, nas buscas que tem competência para efetuar no quadro do direito europeu da concorrência, a afastar a prova que não é pertinente para o caso e a limitar-se à prova que seja relevante para a sua decisão em matéria de concorrência. O Tribunal de Justiça da União Europeia reforçou este entendimento ao dizer que este limite se impõe pela necessária proteção da esfera de atividade privada das pessoas coletivas, garantida enquanto direito fundamental numa sociedade democrática.

Decidindo esta primeira questão, o TEDH entende que o direito e a legislação franceses não correspondem às garantias do art.º 6º par. 1 da CEDH, por referência ao acórdão também do TEDH proferido no caso canal plus.

Ao analisar estas apreensões de documentos operadas pelo juiz das liberdades e da detenção francês, o TEDH procura examinar se, para além da igualdade de armas e da imparcialidade aferidas a propósito do art.º 6º par. 1 da CEDH, as autoridades judiciárias respeitaram as exigências de proporcionalidade que tornariam legítimas estas medidas pelo menos à luz do art.º 8º da CEDH (direito à vida privada). As medidas têm sempre a aparência da legitimidade uma vez que estão previstas em texto legal.  Mas coloca-se a questão de saber se são justificadas à luz do critério da sua necessidade numa sociedade democrática.

Ora, além do excesso relativo à obtenção de prova, alguma da qual é, porque excedeu os limites do mandado de busca, ilícita, o juge des libertés et de la détention tem o dever de se preocupar com a substância da ação das autoridades. Ou seja, não se pode limitar a um controlo de natureza formal, deve procurar saber se a ação das autoridades se enquadra no texto da lei. Ora, sucede que, apesar das constantes reclamações das empresas sobre a regularidade da apreensão de documentos, e nomeadamente de correspondência com o seu advogado coberta pelo sigilo profissional, o juge des libertés et de la détention não considerou realmente se esta correspondência devia ser ou não afastada do acervo documental obtido, limitando-se a entender que as buscas cumpriam as várias proposições dos artigos relevantes das leis de processo penal. Neste sentido as buscas, segundo o TEDH, não eram necessárias numa sociedade democrática e, por não passarem no crivo da proporcionalidade, estiveram em contradição com o art.º 8º da CEDH (vida privada).

O TEDH entendeu que o acórdão que exarou, reconhecendo a razão das empresas constitui só por si a reparação razoável que estas poderiam merecer.

Os juízes Zupancic e De Gaetano, em opinião concordante ilustram os problemas que se colocam para a investigação penal nestes casos. É comummente aceite, e assim decidiu o Acórdão, que apenas deve ser apreendido o que deve ser relevante para o julgamento do caso.  Contudo, tem-se desenvolvido a doutrina dos objetos bem visíveis (plain view doctrine) de acordo com a qual, se a polícia encontrar prova de outro ilícito, prova que esteja bem à vista, pode utilizá-la na pesquisa de outra infração penal e na promoção correspondente da ação penal, uma vez que descobriu, sem querer, mais uma prova de modo muito evidente (inadvertent discovery).

Embora quando colocada no papel esta posição doutrinal nova seja atraente, na prática, estes critérios são difíceis de aplicar. Tudo está na conclusão a que se chegar, à luz dos critérios do TEDH, sobre a legitimidade da prova obtida. Uma dificuldade na aplicação desta doutrina, de origem norte americana, está na apreensão de documentos protegidos por um segredo tão legítimo quanto os fins da busca (nomeadamente o segredo profissional) e a possibilidade que for dada aos destinatários das buscas de conhecerem a prova apreendida e de poderem contestar a sua apreensão.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira