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TEDH, 20 de junho de 2017, Bogomolova c Rússia.

26 jun 2017

Mãe solteira vivendo com o filho na Região de Perm, na Rússia. Publicação de brochura da Segurança Social sobre os direitos das crianças à vida em família, cuja fotografia de capa era a imagem da face do filho de Bogomolova. Não exame da questão da autorização para publicar pelos tribunais. CEDH, artigo 8.º, n.º 1, direito à vida privada e familiar, violação.

Bogomolova, professora de educação física no ensino público, vivia com o filho menor a quem dava sustento e que educava. A Segurança Social da mesma região de Perm, onde ambos viviam publicou uma brochura sobre os direitos das crianças à vida familiar, em cuja capa constava a fotografia do menino, filho de Bogomolova.

Esta entendendo que a imagem sugeria que o seu filho era órfão ou abandonado, e sentindo-se prejudicada com a publicação, tanto mais que o filho passou a ser alvo de troça pelos colegas na escola, pediu ao Ministério público que abrisse um inquérito penal contra o Centro de Segurança Social, no sentido de averiguar quem seria responsável. O Ministério público respondeu que a imagem teria sido retirada da internet e sugeriu que Bogomolova se queixasse contra um incerto que se teria servido da internet para a publicação da imagem. O Centro de Segurança Social não seria responsável.

Bogomolova não seguiu  a sugestão do Ministério público e propôs uma ação de responsabilidade civil extracontratual contra a Segurança Social regional, invocando o seu prejuízo, nomeadamente o dano moral causado, junto do tribunal de primeira instância do Distrito de Perm. Este requalificou a ação quanto às partes, colocou a Segurança Social na qualidade de terceiro interveniente e, com o acordo de Bogomolova, dirigiu a ação contra a empresa de edição que havia montado a brochura litigiosa.

Neste plano, averiguou-se que a fotografia teria sido tirada por um certo P. com a autorização de um certo Sh. para depois ser utilizada na brochura. A editora afirmou sempre que Bogomolova teria dado o consentimento, o que esta negava.

A argumentação acabou por se construir, da parte dos réus e do terceiro interveniente em termos de exclusão da responsabilidade. A Segurança Social teria contratado para obter a brochura com aquele conteúdo, aquele design e aquelas imagens, deixando liberdade à editora na construção do produto, pelo que não seria responsável e a casa editora teria ela própria contratado com Sh. e com P. para obter as imagens. Sh. e P. sustentavam ter obtido autorização. No final do processo, a primeira instância do Distrito de Perm entendeu que a ação era improcedente porque ninguém teria ficado prejudicado e por conseguinte carecia de interesse o exame da questão de saber se houvera autorização prestada pela mãe, o que esta negava.

Bogomolova recorreu para o Tribunal de segunda instância de Perm, o qual, decidindo em apelação manteve o decidido pela primeira instância.

A brochura foi amplamente divulgada e as pessoas do círculo de conhecimentos de Bogomolova entendiam que esta não podia exercer a autoridade parental sobre o filho nem a guarda deste, porque ambas lhe teriam sido retiradas. Bogomolova queixou-se ao Tribunal europeu.

Este dividiu a questão em duas partes. A queixa de violação do artigo 8.º, n.º 1, propriamente, dirigida inicialmente contra a S. Social e, depois, mediante requalificação do tribunal, contra a empresa editora da brochura, e a questão do exame pelos tribunais da questão da autorização da publicação da fotografia do filho pela sua mãe. Na medida em que Bogomolova aceitou a requalificação das partes pelo tribunal de primeira instância no sentido de considerar a S. Social terceiro interveniente e ré a empresa, Bogomolova deixou de litigar contra o Estado, a Segurança Social, para litigar contra uma empresa. Ora, ainda que a empresa fosse culpada do sucedido, o que não veio a verificar-se judicialmente, o Estado não tinha controlo sobre esta para impedir que publicasse a imagem controvertida. Logo,, Bogomolova acabou por não se queixar do Estado, da violação do artigo 8.º n.º 1, mas de um particular. E o TEDH não exerce jurisdição sobre os particulares, ou contra estes, mas sobre os Estados parte na CEDH. Logo esta parte da queixa foi considerada inadmissível pelo TEDH.

Mas a responsabilidade internacional do Estado regressa ao primeiro plano quando se observa que os tribunais recusaram examinar a questão da autorização, concedida ou não pela mãe, que estava no cerne do litígio entre a empresa e Bogomolova, ao concluírem que não teria havido prejuízo e que por isso não tinha utilidade a questão de saber se teria existido ou não autorização da parte de Bogomolova para a publicação da imagem. Ao recusarem proceder ao exame desta questão, os tribunais negaram a proteção devida pelo Estado às pessoas sob a sua jurisdição e, assim, omitiram a proteção necessária de Bogomolova e do seu filho, uma proteção a que enquanto Estado, a Rússia devia a estes. Houve assim, com este segundo fundamento, incumprimento do dever de proteção a cargo do Estado, a violação do direito ao respeito à vida privada e familiar de Bogomolova e do seu filho. 

 

por: Paulo Marrecas Ferreira