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TEDH, 21 de julho de 2015, G.S. c. Geórgia

27 jul 2015

Aspetos civis do rapto internacional de crianças. Dever a cargo das autoridades judiciárias nacionais de promover a entrega da criança retirada da custódia legítima de um dos progenitores. Cláusula de exceção: não entrega da criança atendendo ao seu interesse superior.

Não verificação da circunstância de exceção. Demora dos tribunais. Artigo 8º da CEDH, direito à vida privada e familiar. Dimensões substantiva e processual. Violação.

GS, de nacionalidade ucraniana, casou com GCh de dupla nacionalidade, ucraniana e georgiana. Na constância do casamento tiveram um menino, L., e, algum tempo depois, uma menina. A família vivia em Karkhiv em território ucraniano.

GS e GCh divorciaram-se, tendo ficado a guarda das crianças a cargo da mãe, GS, com um regime de visitas de GCh que, entretanto, passou a trabalhar na Rússia.

Este regime de guarda e de partilha das responsabilidades parentais funcionou bem até ao dia em que a filha de GS e de GCh, debruçando-se sobre o parapeito da janela, veio a cair e faleceu. Realizada a obrigatória investigação criminal, apurou-se tratar-se de um acidente, sem relevância sequer, de negligência.

L desenvolveu um traumatismo psicológico e tornou-se num menino instável. Seguiu consultas de psiquiatria e foi acompanhado neste quadro, com uma presença constante da mãe.

De passagem, de férias, por Karkhiv, GCh levou L de férias para a Geórgia e aí veio a confiar o menino ao seu avô e ao seu tio, não o entregando mais à mãe, pretextando insegurança para L.

O estado psicológico do menino veio a agravar-se e teve de seguir um tratamento psiquiátrico, em regime ambulatório, na Geórgia.

Os assistentes sociais, incumbidos de efetuar relatórios para os tribunais entretanto acionados por GS, insistiram em que, eventualmente, L poderia superar o problema da morte trágica da sua irmã, mas que era indispensável o contacto com os seus pais, em particular a mãe, sendo que, entretanto, o menino deixara de contar com o apoio do pai, uma vez que este estava emigrado na Rússia. Notaram, ainda, que ao referir a mãe o menino exprimia um grande amor mas que, diante da perspetiva de a encontrar, manifestava receio e alguma agressividade, o que se ficaria a dever a um conjunto de referências desagradáveis para com esta, da parte do pai.

A primeira instância, confrontada com este problema, entendeu ser de aplicar a Convenção da Haia relativa aos aspetos civis do rapto internacional de crianças, entendendo que o caso cabia na exceção do artigo 13º b, da Convenção que estabelece que, sendo obrigatória a devolução da criança ao progenitor que foi designado para exercer a custódia por um tribunal competente, esta entrega pode ser recusada atendendo ao interesse superior do menor, incompatível, neste caso de exceção, com a entrega ao progenitor determinado por tribunal.

Em apelação, a segunda instância entendeu que a criança devia ser devolvida à mãe, atendendo ao seu interesse superior, e que não era aplicável o referido artigo 13º, uma vez que a necessidade manifesta da criança, naquele momento da sua vida, era de estar com a mãe por quem nutria um particular carinho.

Mas o Supremo Tribunal da Geórgia deu razão à primeira instância e entendeu ser de aplicar o artigo 13º da Convenção da Haia, atendendo ao quadro psiquiátrico do menino.

GS queixou-se ao TEDH alegando a violação do artigo 8º da CEDH, direito à vida privada e familiar.

O TEDH entendeu que a ponderação da verificação do critério do artigo 13º da Convenção da Haia relativa aos aspetos civis do rapto internacional de crianças deve ser feita de acordo com o artigo 8º da CEDH. O risco grave para a criança, resultante da sua entrega ao progenitor determinado regularmente por um tribunal, deve ser avaliado à luz do direito à vida privada e familiar.

Ora, no entendimento do TEDH, os relatórios apontavam para a superação, por parte de L, do falecimento da sua irmã. Por outro lado, enquanto o afastamento de L da mãe era uma intromissão na vida privada e familiar de ambos, GCh estava constantemente em trabalho na Rússia, apenas vendo o menor de tempos a tempos, por ocasião das férias. Ficara entregue ao avô e ao tio com quem ainda não se tinham desenvolvido laços tão relevantes como os da maternidade ou da paternidade. Enfim, os relatórios sociais indicavam que o menino carecia da mãe e que existia uma construção, da parte do pai, no sentido de tornar instável o relacionamento de L com a mãe.

Neste sentido, não é de aplicar a exceção do artigo 13º da Convenção da Haia. Manter a criança afastada de facto, dos dois progenitores, não corresponde ao respeito do seu interesse superior, sempre referido com muita ênfase nas decisões judiciais georgianas. Substancialmente, existe, assim, uma ingerência não proporcional no direito ao respeito da vida privada e familiar de GS e de L.

A Convenção da Haia determina que os processos judiciais relativos às crianças devem ser tratados de modo expedito, uma vez que estas têm interesses que não se coadunam com a demora. O seu artigo 11º estabelece um prazo razoável de seis semanas para a decisão judicial, no caso de rapto internacional de crianças. Embora este prazo não seja obrigatório, mas consista numa indicação dada pela Convenção aos sistemas judiciais nacionais a que esta se aplica, o certo é que o processo judicial interno, com o vai-vem da primeira instância ao Tribunal Supremo, demorou mais de noventa semanas. E, neste caso, o TEDH entendeu que foram reduzidas as diligências probatórias, as quais se limitaram, no quadro factual estabelecido pelas partes, à obtenção dos relatórios sociais.  Houve assim, uma violação do direito a um prazo razoável. Por ser o artigo 8ºda CEDH, especial em relação ao artigo 6º da CEDH, a violação da regra do prazo razoável traduz-se na violação processual do artigo 8º da CEDH.


Autor: Paulo Marrrecas Ferreira