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TEDH, 25 de abril de 2017, Rezmives e outros c. Roménia.

8 maio 2017

Quatro queixas apensas contra a Roménia. Pouca disponibilidade de espaço para viver em estabelecimentos de detenção (esquadras de polícia) ou prisionais. Deficientes condições materiais de detenção. Tempos de detenção ou de cumprimento de pena relativamente longos. CEDH, art.º 3.º proibição da tortura, violação. Art.º 46.º, execução de acórdãos. Acórdão piloto, sustação nas condenações da Roménia por casos semelhantes, indicação de medidas de reforma da justiça criminal. 

Rezmives juntamente com três outros cidadãos romenos cometeram crimes, foram detidos, presentes a um juiz, presos preventivamente e, posteriormente foram condenados, tendo sido dada execução à respetiva pena.

Passando das esquadras de polícia para os estabelecimentos onde cumpriram a prisão preventiva e onde purgaram a sua pena, sofreram da falta de espaço disponível, inferior, por vezes, a dois m2. O TEDH no caso Mursic c. Croácia, também objeto de notícia nesta página, havia definido o espaço mínimo, com a mobília, mas sem a instalação sanitária, como sendo de três m2. Ao reduzido espaço acresceram deficientes condições materiais de detenção: instalações sanitárias sujas, degradadas, com um acesso restringido, falta de água quente, aquecimento deficiente e escassa luz natural com um reduzido acesso ao ar livre foram algumas das condições materiais de que se queixaram. O TEDH foi sensível a estas queixas, assentando na semelhança entre estas e queixas anteriores já por ele decididas, bem como em diverso material do Conselho da Europa, nomeadamente resoluções e recomendações do Comité de Ministros e relatórios do Comité para a Prevenção da Tortura, também do CoE. Uma Recomendação do CM de 2012 foi de muita importância, na medida em que aí o CM já se pronunciava sobre as deficiências do sistema de execução das penas Romeno.

Observando a questão à luz, primeiro, das queixas concretas dos reclusos, alguns dos quais ainda se encontravam em cumprimento de pena, o TEDH considerou ter sido violado o artigo 3.º da CEDH, entendendo, com recurso à sua jurisprudência anterior que existe uma obrigação positiva a cargo do Estado de velar porque o cumprimento da pena não exceda o sofrimento e o desespero que é natural uma execução de pena provocar num condenado. Não é assim possível ultrapassar o nível de sofrimento inerente a qualquer forma de forma de privação de liberdade em prisão.

Entendeu que a sobrelotação carceral, determinando escassez de espaço disponível por recluso é bastante para determinar a aplicação do artigo 3.º e que as degradadas condições materiais de detenção também dão origem à aplicação deste artigo da CEDH.

Entendendo que o problema denunciado nestas quatro queixas apensas é sistémico, o TEDH decidiu aplicar, nos termos do art.º 46.º da CEDH, o processo do Acórdão Piloto. Indicou assim um conjunto de medidas à Roménia no sentido de resolver este problema sob a supervisão do CM do CoE, e suspendeu as condenações à Roménia por um tempo razoável até esta resolver o problema e estar o TEDH em condições de a condenar ou absolver em função da medida do seu cumprimento.

Entre as medidas propostas contam-se a redução do número de condenados presos em execução de pena, por meio do recurso a medidas punitivas não restritivas de liberdade, a transferência rápida dos detidos das esquadras para os estabelecimentos prisionais depois da validação da detenção por um juiz, aumentar o número de casos de aplicação de multa em alternativa à pena de prisão, aumentar a possibilidade da renúncia a uma pena e de recurso à liberdade condicional. A isto poderia acrescentar-se a diversificação das penas alternativas à prisão e o alargamento da possibilidade de liberdade condicional.

Sobre as vias de recurso, um recurso preventivo implicando o tribunal da condenação ou o juiz de execução de penas e permitindo a este a vigilância da pena de prisão, no sentido de permitir a cessação da situação de violação do art.º 3.º da CEDH. Quanto aos recursos compensatórios, na medida em que o sistema romeno assenta na responsabilidade civil extracontratual do Estado e que esta depende de culpa do agente, o sistema prisional é raramente culpado e não há reparação pelos maus tratos. Mas, nestes casos, a redução da pena poderia ser uma reparação desde que em relação, no seu quantum, com o sofrimento ocorrido e o tempo de pena ainda por cumprir.

No período de seis meses após o Acórdão desta quarta seção se tornar definitivo, a Roménia deverá indicar o conjunto de medidas que se propõe adotar em coordenação com o CM.

Numa opinião concordante, o juiz Wojtyczek entendeu que a politica de execução de penas pertence ao Estado e que não compete ao TEDH indicar as concretas medidas de reparação do sistema, sem pelo menos um aturado estudo prévio, o que não aconteceu aqui.

Diga-se em abono do acórdão que também no caso Hutten Capzsa em que se debatia um sistema de arrendamento num antigo Estado dependendo da União Soviética, o TEDH já havia indicado medidas a adotar e o seu sentido, e que, embora neste caso as medidas sejam muito detalhadas, já existe um conhecimento antigo (remonta aos primeiros relatórios do CPT sobre a Roménia em 1992) da situação neste país. Por fim caberá ao CM presidir a este ajustamento, havendo margem para a Roménia encetar um diálogo com este no sentido de melhor adaptar as suas reformas à realidade existente.

 

por: Paulo Marrecas Ferreira