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TEDH, 26 de janeiro de 2016, IASIR c. Belgica.

1 fev 2016

Assalto cometido com armas de guerra. Roubo de viaturas. Intervenção da polícia. Disparo de rajada de metralhadora sobre o veículo da polícia. Falecimento de agente. Participação. Aplicação da circunstância agravante do homicídio violento ao participante solidário que não desferiu os tiros. Presunções em matéria penal.

Iasir mais outros participantes furtaram uma viatura, assaltaram uma residência com o propósito, alcançado, de obterem a chave de uma outra, e ao porem-se em fuga, foram surpreendidos por um veículo da polícia. G.K., um dos participantes, desferiu uma rajada de arma de guerra sobre o veículo da polícia, matando uma agente que se encontrava na viatura. Puseram-se em fuga.

Os tribunais condenaram G.K. e Iasir em penas de longa duração, fazendo cominar a circunstância agravante do homicídio qualificado também sobre Iasir.

Iasir, que não desferira os tiros fatais, esgotou os meios de defesa internos e veio a queixar-se ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos pela violação do princípio da presunção de inocência, art.º 6.º , par. 2 da CEDH e pela violação do direito a um julgamento equitativo, art.º 6.º, par. 1 da CEDH.

Sucede que o direito penal belga prevê, segundo a análise do TEDH a “participação por abstenção” de uma pessoa num homicídio cometido por outrem. Com efeito, os artigos 66º, 67º, 468º, 471º e 472º, 474º e 475º do Código Penal belga prevêem que tanto o executante como aquele que cooperou diretamente na execução, são punidos como autores de um crime ou de um delito, esta previsão valendo para o caso do homicídio. As várias jurisdições belgas, na motivação das suas sentenças, afirmaram que Iasir apesar de não ter desferido os tiros fatais, estava ele também encapuçado, pesadamente armado e não deu sinais de se des-solidarizar do seu cúmplice, não entrando em confronto com ele no momento do disparo da rajada fatal, não mostrando qualquer veleidade de impedir o cúmplice e seguindo com ele e os demais na fuga, sem contrariar a ação comum dos vários autores e participantes.

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos reconheceu a margem de autonomia dos ordenamentos nacionais à luz da Convenção europeia, e recordou que, nesta conformidade, a Convenção não proíbe as presunções de facto ou de direito em matéria penal. Apenas obriga os Estados a não ultrapassar um determinado patamar de arbítrio no emprego destas presunções. Os seus limites devem ser razoáveis tendo em conta a gravidade dos factos e os direitos de defesa devem ser preservados (pars. 29, 30, 31 do acórdão). O requerente não tendo disparado, não cometeu materialmente o homicídio. A circunstância agravante do homicídio no contexto de um roubo foi-lhe contudo aplicada. Mas, ao motivarem as suas sentenças com o reconhecimento de que o requerente estava encapuzado e pesadamente armado e que do seu comportamento no momento do homicídio e a seguir a este, se poder depreender  que ele tinha a consciência de que a circunstância agravante do homicídio viria a constituir um elemento ou uma consequência previsível da infração principal, o roubo, e que mesmo assim, havia sempre assumido a sua conduta de se associar ao roubo cometido pelos vários participantes, persistindo em ser solidário com G.K., as várias instâncias mostraram efetuar a ponderação exigida pelo TEDH ao aceitar a existência nos Códigos Penais nacionais, de presunções penais de facto ou de direito.

Não se verificou assim, a violação do artigo 6.º par. 2 da CEDH.

Passando ao art.º 6.º par. 1, o julgamento não seria equitativo pela mesma razão do uso de uma presunção penal contra o requerente, fazendo cominar à sua participação no crime de roubo a agravante de um homicídio qualificado pela violência com que ocorreu. Pela mesma razão da fundamentação adequada das decisões judiciais na ordem interna belga, o TEDH, admitindo embora este fundamento de queixa, não o considerou procedente, entendendo que também aqui não houve violação do artigo 6.º par. 1 da CEDH.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira