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TEDH, 27 de agosto de 2015. Parillo c. Itália. Eventual direito à disposição de embriões humanos para investigação científica

31 ago 2015

Recolha de embriões in vitro para procriação medicamente assistida. Falecimento de parceiro no Iraque. Desistência da procriação. Desejo de doar os embriões para a investigação científica. Negação. Artigo 8º CEDH – não violação.

Um casal de nacionalidade italiana, de género diferente resolveu recolher e crio preservar embriões para a reprodução medicamente assistida. Um deles veio a falecer enquanto cobria para a imprensa, a guerra no Iraque, em 2003.  A parceira sobreviva desistiu da reprodução medicamente assistida e resolveu doar os embriões para investigação científica. A Lei italiana, n.º 40/2004 proíbe a doação de embriões para investigação científica e, após um longo e acidentado percurso judicial, a Sra. Parillo colocou a questão da violação do seu direito à vida privada e familiar (art.º 8º CEDH) e do seu direito de propriedade sobre os embriões (logo do seu direito de livre disposição destes) nos termos do art.º 1º do Protocolo n.º 1 à CEDH.

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos examinou a questão de saber se a lei vigente autoriza a Sra. Parillo a se queixar em qualquer altura, a que respondeu favorável no sentido de a vigência da lei poder representar uma violação contínua dos seus direitos. Examinou ainda a questão de saber, ainda no plano da admissibilidade, se a queixa ao Tribunal Constitucional italiano é um meio prévio que deve ser esgotado para se apresentar queixa ao TEDH, a que respondeu pela negativa, pois, interpretando as relações entre a CEDH e o ordenamento italiano, o TC italiano havia concluído que a CEDH não é direito constitucional e o TC se coloca sempre, na análise dos direitos, numa perspetiva interna, mais limitadamente constitucional, pelo que não examina necessariamente as questões à luz da CEDH.

Aceitou a colocação da questão sob o ângulo do artigo 8º, colocando-a sob a perspetiva do direito à vida privada e familiar, para concluir que o ordenamento jurídico internacional dos direitos humanos, em particular o europeu (da U.E. e do CoE), não aceitando a disponibilidade do embrião para fins científicos (em particular não aceitando a patenteabilidade de descobertas científicas sobre o embrião), pelo que a legislação italiana que proíbe a investigação científica sobre os embriões humanos está correta e, logo, não se verifica violação do artigo 8º CEDH.

O acórdão mereceu, aqui, severa crítica por parte do Doutor Paulo Pinto de Albuquerque e dos juízes Casadevall, Ziemele, Power-Forde, De Gaetano e Yudkivska, em votos concordantes com o resultado mas discordantes com o método. Para o primeiro, a jurisprudência do TEDH, ao pronunciar-se pela primeira vez sobre uma questão tão importante cria uma flutuação em relação à jurisprudência anterior e devia ter fixado, em termos absolutos, a dignidade humana do embrião e a muito estreita margem de apreciação dos Estados face ao controlo internacional (enquanto precisamente o acórdão veio dizer que existe aqui ampla margem). O Juiz Paulo Pinto de Albuquerque define o embrião como um “outro” humano, igualmente merecedor de dignidade e tutela jurídica e, por isto, insuscetível de disponibilidade e manipulação.  A insusceptibilidade de manipulação e disponibilidade equivale à proibição de um outsourcing que possa permitir o emprego de embriões de proveniência não europeia no espaço europeu, para fins de estudo. Para os segundos, a queixa não deveria, sequer, ter sido admitida à luz do artigo 8º: o embrião, como sujeito humano de dignidade e direitos, é pura e simplesmente indisponível e insuscetível de entrar na categoria do direito à vida privada e familiar de alguém, mesmo com uma relação de procriação.

O acórdão não aceitou como admissível a questão à luz do direito de propriedade (art.º 1º CEDHP 1).

Vários juízes criticaram a questão do prazo razoável à luz da vigência de uma lei e as observações do TEDH quanto à questão dos recursos constitucionais. Por fim, o juiz Sajó foi o único a votar vencido. Para este Alto Magistrado a solução do TEDH não foi aceitável, na medida em que pode ser legítimo o estudo de células estaminais retiradas do embrião humano, nomeadamente para a reconstrução física (estudos sobre a médula pineal, nomeadamente), havendo a necessidade de delimitar o que seria legítimo em termos de estudo científico e o que não o seria, sendo esta uma oportunidade perdida.

Para o conjunto dos juízes que se exprimiram, a maior parte (à exceção do juiz Sajó) em sentido concordante, este acórdão pela importância das questões que nele se levantam, foi uma oportunidade perdida.

Seja como for, recorde-se nestas difíceis questões, que a Convenção de Oviedo sobre os Direitos Humanos e a Biomedicina, de 4 de Abril de 1997, no quadro do Conselho da Europa, impõe o primado do ser humano sobre o interesse da sociedade ou da ciência ( art.º 2º), proíbe a criação de embriões humanos in vitro para a investigação científica (art.º 18.º, n.º 2), e aceita que um Estado conceda proteção mais ampla que a nela prevista, em relação à aplicação da biologia e da medicina (art.º 27º).


Autor: Paulo Marrecas Ferreira