Recolha de embriões in vitro para procriação medicamente assistida. Falecimento de parceiro no Iraque. Desistência da procriação. Desejo de doar os embriões para a investigação científica. Negação. Artigo 8º CEDH – não violação.
Um casal de nacionalidade italiana, de género diferente resolveu recolher e crio preservar embriões para a reprodução medicamente assistida. Um deles veio a falecer enquanto cobria para a imprensa, a guerra no Iraque, em 2003. A parceira sobreviva desistiu da reprodução medicamente assistida e resolveu doar os embriões para investigação científica. A Lei italiana, n.º 40/2004 proíbe a doação de embriões para investigação científica e, após um longo e acidentado percurso judicial, a Sra. Parillo colocou a questão da violação do seu direito à vida privada e familiar (art.º 8º CEDH) e do seu direito de propriedade sobre os embriões (logo do seu direito de livre disposição destes) nos termos do art.º 1º do Protocolo n.º 1 à CEDH.
O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos examinou a questão de saber se a lei vigente autoriza a Sra. Parillo a se queixar em qualquer altura, a que respondeu favorável no sentido de a vigência da lei poder representar uma violação contínua dos seus direitos. Examinou ainda a questão de saber, ainda no plano da admissibilidade, se a queixa ao Tribunal Constitucional italiano é um meio prévio que deve ser esgotado para se apresentar queixa ao TEDH, a que respondeu pela negativa, pois, interpretando as relações entre a CEDH e o ordenamento italiano, o TC italiano havia concluído que a CEDH não é direito constitucional e o TC se coloca sempre, na análise dos direitos, numa perspetiva interna, mais limitadamente constitucional, pelo que não examina necessariamente as questões à luz da CEDH.
Aceitou a colocação da questão sob o ângulo do artigo 8º, colocando-a sob a perspetiva do direito à vida privada e familiar, para concluir que o ordenamento jurídico internacional dos direitos humanos, em particular o europeu (da U.E. e do CoE), não aceitando a disponibilidade do embrião para fins científicos (em particular não aceitando a patenteabilidade de descobertas científicas sobre o embrião), pelo que a legislação italiana que proíbe a investigação científica sobre os embriões humanos está correta e, logo, não se verifica violação do artigo 8º CEDH.
O acórdão mereceu, aqui, severa crítica por parte do Doutor Paulo Pinto de Albuquerque e dos juízes Casadevall, Ziemele, Power-Forde, De Gaetano e Yudkivska, em votos concordantes com o resultado mas discordantes com o método. Para o primeiro, a jurisprudência do TEDH, ao pronunciar-se pela primeira vez sobre uma questão tão importante cria uma flutuação em relação à jurisprudência anterior e devia ter fixado, em termos absolutos, a dignidade humana do embrião e a muito estreita margem de apreciação dos Estados face ao controlo internacional (enquanto precisamente o acórdão veio dizer que existe aqui ampla margem). O Juiz Paulo Pinto de Albuquerque define o embrião como um “outro” humano, igualmente merecedor de dignidade e tutela jurídica e, por isto, insuscetível de disponibilidade e manipulação. A insusceptibilidade de manipulação e disponibilidade equivale à proibição de um outsourcing que possa permitir o emprego de embriões de proveniência não europeia no espaço europeu, para fins de estudo. Para os segundos, a queixa não deveria, sequer, ter sido admitida à luz do artigo 8º: o embrião, como sujeito humano de dignidade e direitos, é pura e simplesmente indisponível e insuscetível de entrar na categoria do direito à vida privada e familiar de alguém, mesmo com uma relação de procriação.
O acórdão não aceitou como admissível a questão à luz do direito de propriedade (art.º 1º CEDHP 1).
Vários juízes criticaram a questão do prazo razoável à luz da vigência de uma lei e as observações do TEDH quanto à questão dos recursos constitucionais. Por fim, o juiz Sajó foi o único a votar vencido. Para este Alto Magistrado a solução do TEDH não foi aceitável, na medida em que pode ser legítimo o estudo de células estaminais retiradas do embrião humano, nomeadamente para a reconstrução física (estudos sobre a médula pineal, nomeadamente), havendo a necessidade de delimitar o que seria legítimo em termos de estudo científico e o que não o seria, sendo esta uma oportunidade perdida.
Para o conjunto dos juízes que se exprimiram, a maior parte (à exceção do juiz Sajó) em sentido concordante, este acórdão pela importância das questões que nele se levantam, foi uma oportunidade perdida.
Seja como for, recorde-se nestas difíceis questões, que a Convenção de Oviedo sobre os Direitos Humanos e a Biomedicina, de 4 de Abril de 1997, no quadro do Conselho da Europa, impõe o primado do ser humano sobre o interesse da sociedade ou da ciência ( art.º 2º), proíbe a criação de embriões humanos in vitro para a investigação científica (art.º 18.º, n.º 2), e aceita que um Estado conceda proteção mais ampla que a nela prevista, em relação à aplicação da biologia e da medicina (art.º 27º).
Autor: Paulo Marrecas Ferreira