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TEDH, 30 de junho de 2015, Abdulla Ali c. Reino-Unido

6 jul 2015

Participação em crime de terrorismo.  Cobertura excessiva pela imprensa. Divulgação de factos não conhecidos pelo Tribunal. Desistência do primeiro julgamento pelas autoridades. Repetição do julgamento, mudanças no Júri. Diligência acrescida do juiz responsável. Artigo 6º § 1 da CEDH, direito a um processo equitativo, não violação.

Abulla Ali foi detido, em conjunto com vários outros suspeitos, no contexto de uma operação anti-terrorismo em larga escala em 2006. Veio a ser arguido dos crimes de conspiração para homicídio (count 1) e de conspiração para colocar em perigo uma aeronave (count 2). Veio a ser acusado no quadro do count 1 juntamente com sete outros arguidos, dos quais um veio a ser absolvido. O Júri, contudo, em julgamento, veio a sentir-se incapaz de precisar os contornos do count 1 embora tivesse identificado o meio através do qual o crime iria ser perpetrado, a detonação de um explosivo de construção artesanal.

O caso foi muito mediatizado e a imprensa divulgou materiais obtidos em fontes da polícia criminal, de um departamento de Estado Norte Americano, revelando ligações com outros arguidos de terrorismo, em vias de julgamento ou já condenados, estabelecendo ramificações na criminalidade terrorista internacional.

Este primeiro julgamento veio a ser anulado, atendendo ao quadro relatado.

A Justiça não desistiu contudo de julgar Abdulla Ali e o julgamento foi repetido após um lapso de tempo que terá permitido uma relativa paragem na difusão da informação pela imprensa, embora esta tenha continuado a transmitir notícias.

O Ministério Público confirmou a sua investigação, Abdulla Ali foi novamente arguido e acusado no count 1, entretanto reformulado, o Júri foi reconstituído com elementos diferentes e foi nomeado outro juiz responsável pela condução formal do processo.

Abdulla Ali veio a ser condenado com fundamento em conspiração para homicídio com o emprego de um engenho explosivo artesanal, em prisão perpétua com um mínimo de quarenta anos. Queixou-se ao TEDH que a omni presença da imprensa no primeiro julgamento influenciou o Júri do segundo julgamento e tornou este não equitativo. Em particular, acusou as fontes públicas, nomeadamente magistrados e funcionários de terem tido reuniões secretas (secret briefings) com os jornalistas no sentido de lhes transmitir informações sensíveis e, pela construção da opinião pública, orientarem de modo inalterável o julgamento final.

Foi importante para o estudo do TEDH, o registo por este juiz de primeira instância, responsável pela condução formal do processo, do trabalho que ele desenvolveu. Com efeito, o juiz Henriques estudou a jurisprudência do Reino-Unido em casos semelhantes e escrutinou toda a prova que foi transmitida aos meios de comunicação social. Verificou que muita dela não tinha sido recebida pelo Tribunal ou de alguma forma tramitada pela justiça neste caso concreto. Pelo que, apesar da sua abundância, a maior parte da prova, neste caso particular, não advinha de fugas do sistema judiciário, nem do sistema policial. Aquela que poderia ter-se libertado do sistema era superada por uma prova empregue, de fonte segura, sem difusão pelos media, pelo Tribunal. Pelo que Abdulla iria ser julgado com base em prova não anteriormente (ao julgamento e à condenação) divulgada ao público.

Por outro lado, o juiz Henriques selecionou os jurados. Entrevistou cada um dos elementos do Júri antes do julgamento e perguntou-lhe se tinha conhecimento do caso, como tinha conhecimento de caso e se havia ouvido falar sobre ele e em que medida. A cada resposta afirmativa, afastou o membro do Júri, permanecendo apenas com aqueles que não tinham condições de aceder ao caso por fontes diferentes do Tribunal. Sob prestação de juramento, instou-os a não investigarem em suas casas, por exemplo, na internet ou em outros meios, o caso de que eram jurados. Mostrou-lhes como deveriam referir-se ao caso, explicando-lhes que, no serão, com os familiares ou amigos, diriam “fui nomeado para o júri deste caso, não há nada a dizer” e remeterem-se ao silêncio.

O TEDH admitiu a queixa de Abdulla Ali e observou a posição do Tribunal e do Júri na repetição do julgamento.  A própria anulação oficiosa do anterior julgamento, por não existirem condições de julgar, foi uma medida bem-vinda. O lapso de tempo decorrido entre o primeiro e o segundo julgamento, levou a algum repouso dos ânimos, e foi para o TEDH uma boa medida, assim como foi positivo o facto de não existir uma condenação anterior anulada que se viesse a procurar repetir, a qual certamente implicaria um grande preconceito da parte do Júri. Por fim o escrutínio, uma a uma, das peças de imprensa feito pelo juiz Henriques, a destrinça que este fez da prova válida empregue pelo Tribunal bem como os cuidados que tomou na seleção dos jurados, permitiram concluir que estes abordaram o acto de julgar sem preconceito, e não foi aproveitada prova inválida, por divulgada antes do julgamento e da condenação.

Não existiu, assim, para o TEDH, nenhuma violação do artigo 6º § 1 da CEDH, direito a um julgamento equitativo.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira