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TEDH, 3ª Secção, Halet c. Luxemburgo, Acórdão de 11 de maio de 2021

20 maio 2021

CEDH, Artigo 10.º direito à liberdade de expressão de técnico de instituição bancária que divulgou segredos da empresa em relação com a evasão tributária. O pôr em balança o relevante interesse público na revelação de questões de importância coletiva vs. O interesse de uma empresa comercial na proteção do seu negócio. A prevalência deste último em discutível destaque de falta de novidade das revelações. Não violação.  

Halet, um cidadão francês, queixou-se contra o Luxemburgo da violação do seu direito à liberdade de expressão, constante do art.º 10.º da CEDH por ter, mediante julgamento em processo penal, sido condenado no pagamento de multa (“amende pénale”) no valor de 1000 € por ter divulgado informação confidencial no caso LuxLeaks, tendo-lhe, em particular, sido recusado o estatuto de whistleblower (lanceur d’alerte, que denuncia a partir de dentro da organização). Halet (o queixoso) era técnico na Sociedade Price Waterhouse Cooper (PwC), uma empresa de auditoria e aconselhamento fiscal. Esta empresa dedica-se, no domínio tributário, a produzir declarações de rendimentos pelos seus clientes e, em nome destes, mediante procuração para o efeito, a solicitar, junto das autoridades tributárias, decisões fiscais antecipadas (os Advance Tax Agreements – ATA).

No seu tempo de desempenho de funções nesta empresa, o queixoso dirigia uma equipe de 5 colegas dedicando a sua atividade a obter o melhor regime fiscal possível para os seus vários clientes. De 2012 a 2014 foram comunicadas na imprensa centenas de decisões fiscais e ATA, as quais revelavam cooperações vantajosas entre sociedades multinacionais e o fisco, em benefício das primeiras. Tendo procedido a um inquérito interno a PwC descobriu que o queixoso tinha transferido 45 000 páginas de documentos oficiais, das quais 20 000 relativas a documentos das administrações tributárias. Todo este material foi divulgado num programa de TV, intitulado Cash investigation, em 10 de junho de 2013. O International Consortium of investigative journalists (ICTJ) colocou, entretanto, toda esta documentação em linha. A publicação veio a ser designada por Luxleaks. PwC fez uma participação criminal contra o queixoso. A participação mereceu acusação e pronúncia penais e conduziu à condenação do queixoso em pena suspensa de 12 meses e em pagamento de multa, no valor de 1000 €. Nas duas instâncias em que o seu processo foi examinado (1.ª e 2.ª instâncias) foi abordada a questão da sua eventual definição como Denunciante para efeito do seu estatuto processual. Citando o Acórdão Guja c. Moldova [GC] 2008, estas instâncias recusaram a concessão do estatuto de whistleblower ao queixoso.

Para o efeito da concessão processual do estatuto de whistleblower, estes critérios são:

1. O interesse público relevante da questão;

2. A autenticidade da revelação;

3. Na impossibilidade de outro modo de proceder, é admissível a publicação em jornais;

4. A partilha da informação deve ser de boa-fé;

As jurisdições internas deram como assente o preenchimento dos primeiros três critérios mas não do quarto, pois o queixoso não tivera tempo de comunicar os factos a terceiro antes de os transmitir (o que traduziria uma partilha oportunista da informação, logo abriria uma presunção de má-fé).

O 5.º critério desta jurisprudência Guja é o do pôr em oposição o interesse público relevante na obtenção da informação e a proteção do direito do empregador. Para as instâncias internas esta transmissão de informação da parte de Halet apenas viria replicar uma transmissão anterior de informação, já prestada por outro Alerta em outro meio de comunicação social, sendo assim redundante; por isso não se deu o critério n.º 5 por preenchido. Enfim, o 6.º critério da jurisprudência Guja é o de a sanção permanecer proporcional (ou seja, necessária numa sociedade democrática). A 2ª. Instância, decidindo um recurso entretanto apresentado pelo queixoso segundo as regras de processo, decidiu reduzir a multa de 1 500 para 1 000 € e entendeu que, à luz do seu montante relativamente reduzido e assim, equilibrado, esta solução cumpria a proporcionalidade, e que não se registara a violação do art.º 10.º da CEDH. Valendo-se de uma possibilidade do direito processual penal luxemburguês, o queixoso ainda colocou a questão da violação do art.º 10.º da CEDH ao STJ (Cassation), o qual entendeu estarem respeitados todos os critérios e que, por isso, não se registava a violação do art.º 10.º da CEDH, declarando o recurso improcedente.

O TEDH examinou os materiais de Direito internacional público (DIP) disponíveis, o direito da União Europeia (a U.E.) constante da Diretiva 2016/943, sobre proteção de segredos de empresa, a qual exceciona do seu regime sancionatório os dadores de alerta (os whistleblower), bem como na entretanto adotada pelo Parlamento europeu e o Conselho (U.E.) /(nomeadamente no domínio dos mercados públicos, serviços financeiros, prevenção do branqueamento de capitais, saúde pública), Diretiva U.E. n. 2019/1937, a qual prevê o término do seu período de transposição para 17 de dezembro de 2021. No domínio do direito de vocação universalista (global), o TEDH destacou materiais das Nações Unidas: o Relatório do Relator Especial da ONU sobre promoção e proteção da liberdade de expressão e de opinião, Sr. D. Kaye, que contém as definições de whistleblower como toda a pessoa que divulga informações que acredita serem verdadeiras, cuja divulgação em seu entender corresponde ao interesse geral. São exemplos, a violação do direito internacional, abuso de autoridade, gastos injustificados e gestão danosa, a fraude, as ofensas ao ambiente, à saúde pública ou à segurança pública. O Sr. D. Kaye salienta que a partilha pode não ter o caráter de denúncia de ilícitos específicos, mas que pode consistir em revelar informações ocultadas, que é do interesse geral o público ter conhecimento. O SG das N.U. Eng.º A. Guterres, aprovou uma atualização da política da ONU no sentido de proteger os whistleblower desta Organização que denunciem uma falta ou que cooperem em auditorias ou investigações oficiais. No tocante ao Conselho da Europa, o CoE, o TEDH elencou abundante jurisprudência do próprio TEDH (§ 55), a Rec. CM (2014) 7, em que se diz que whistleblower é aquele que, no contexto da sua relação de trabalho assinala prejuízos ou ameaças para o interesse geral , seja no setor público, seja no privado. A Assembleia parlamentar do CoE (a APCE) adotou a Res. 2060(2015) e a Rec. 2073 (2019) relativas à melhoria da proteção dos whistleblower. Em 2019 a APCE adotou as Recs. 2300(2019) e 2162 (2019) tendentes a “melhorar a proteção dos whistleblower por toda a parte na Europa”, tendo a primeira (a 2300) acolhido favoravelmente a Diretiva U.E. 2019/1937 relativa à proteção dos whistleblower.

Posto este material, o TEDH passou ao exame da queixa. Admitiu-a, remetendo para o mérito segmentos da admissibilidade que com aquela dimensão da apreciação se relacionavam, e passou ao exame do mérito da queixa. Na sua qualidade de terceiro interveniente (amicus curiae) a “Casa dos whistleblower” salientou o interesse relevante desta partilha de informação que deveria ter isentado o queixoso de qualquer sanção penal.

O TEDH passou à apreciação da queixa. Concentrou-se na questão da proporcionalidade da sanção (a sua necessidade numa sociedade democrática) a qual corresponde ao 6.º critério da jurisprudência Guja acima referida (entre os vários outros, 1.º interesse público, 2.º autenticidade da revelação, 3.º à falta de outro meio aceitar a publicação na imprensa; 4, boa-fé da partilha, 5.º balança interesse público na revelação vs. proteção do empresário; e 6.º proporcionalidade, o critério ora em exame). Os critérios da proporcionalidade no tocante ao regime sancionatório dos whistleblower está condensado, nomeadamente no Acórdão Magyar Helsinki Bizottsag vs. Hungria [GC], 08.11.2016, § 187.  Apenas se admite a restrição ao alerta prestado na presença de uma necessidade social inadiável, cuja preeminência forte legitima o afastamento da legitimidade da partilha. Ou seja, a margem de apreciação do Estado é muito reduzida no tocante à incriminação dos whistleblower (a interpretação das exceções ao regime geral do § 1 do art.º 10.º CEDH, restrições constantes do § 2 do mesmo normativo, que legitimam a incriminação dos whistleblower não é uma interpretação particularmente livre). Às questões da ingerência ser prevista na lei e do seu fim ser legítimo, deu o TEDH resposta positiva, restando por examinar a sua necessidade à luz do 6.º critério da jurisprudência Guja (a proporcionalidade, medida à luz do ser a restrição necessária numa sociedade democrática).

Neste quadro, o 1.º problema é a definição de whistleblower: o TEDH respondeu positivamente notando que o técnico em questão tinha a qualidade de trabalhador subordinado, sujeito à autoridade do empregador e à hetero-determinação da sua prestação de trabalho. Ao partilhar a informação o técnico tinha rompido os deveres de lealdade e discrição, em comportamento que é próprio do whistleblower. O TEDH respondeu positivamente aos 4 primeiros critérios do caso Guja citado.

Destacou o 5.º critério. Direito à expressão livre do trabalhador vs. direito do empregador à proteção da sua atividade de negócio. Este critério implica um exercício de balanceamento típico da adjudicação judicial de um caso. O TEDH reconheceu existirem limites à sua própria intervenção no caso de as autoridades internas terem procedido à aplicação o mais exata possível dos critérios da CEDH, tais como desenvolvidos na jurisprudência Guja. Assinalou que, no tocante à proteção da reputação, é mais sensível a honra e a dignidade de uma pessoa singular do que a de uma pessoa coletiva, na medida em que no último não ficam atingidos direitos de personalidade, mas apenas direitos de natureza patrimonial/pecuniária ou comercial (§ 97). Ora as instância internas julgaram que o dano sofrido por PwC , apesar de todas estas limitações teria sido muito superior ao interesse na divulgação dos factos.  E notou o desenvolvimento e o cuidado com que as instâncias internas tomaram em fundamentar as suas decisões.

PwC, por seu turno, apenas pedira a indemnização em 1 € simbólico a título da responsabilidade civil extracontratual do seu trabalhador (este agiu fora do seu contrato individual de trabalho), o que representaria uma compensação muito reduzida em relação ao necessário restabelecimento da imagem comercial de PwC. O TEDH destacou, ainda, que as jurisdições internas apreciaram a evolução subsequente do caso, tendo PwC registado um forte crescimento no seu volume de negócios e nos seus lucros nos anos imediatamente a seguir às revelações (terá ficado, a final, pouco prejudicada com as revelações do queixoso). Por esta razão, as instâncias internas fixaram uma indemnização de pequeno valor, que reduziram entretanto. Na medida em que o queixoso apenas veio partilhar uma informação já anteriormente partilhada, o seu procedimento de alerta não se revelou tão urgente quanto o seria em condições de revelação, em primeira mão, de factos desconhecidos e foi este último critério o decisivo para a sua condenação penal. Por isso o 5.º critério não foi validado pelas instâncias internas.  No tocante ao 6.º critério (a questão da proporcionalidade propriamente), o TEDH atentou ao facto que é determinante da proporcionalidade da ingerência das autoridades no exercício da liberdade de expressão, o peso da sanção imposta ao whistleblower (Otegi Mondragón c. Espanha, 2011, § 58). Uma vez que foi considerada a natureza desinteressada da partilha pelo queixoso, e que a multa foi correspondentemente de baixo valor, a sanção expressa no valor da multa foi considerada proporcional, uma vez que esta foi de reduzido valor. Por todas estas razões, não se verificou a violação do art.º 10.º da CEDH.

Seja permitido ao muito humilde e modesto leitor deste Acórdão exprimir, apesar de tanta exposição de ciência, ainda assim, um certo desconforto.

É certo que, se o whistleblower veio repetir outro conteúdo anteriormente lançado por outra pessoa, a questão do abuso do direito de alertar, tendo em atenção a intencionalidade de causar um prejuízo, poderia colocar-se. No fundo, o ter assumido o whistleblower o dolo de prejudicar a empresa. Ora, foram as próprias instâncias nacionais que reconheceram o escasso prejuízo a PwC, que nos anos subsequentes registou elevados benefícios (tratando-se de pessoa coletiva e, por conseguinte, não se colocando a questão da proteção dos direitos de personalidade do sujeito, mas apenas de direitos relacionados com o seu estatuto de comerciante ligado aqui à personalidade coletiva), sendo que as próprias instâncias internas e o TEDH destacaram a natureza desinteressada do gesto. Por isso, a multa foi baixa e o montante, em sede de responsabilidade pelo dano, foi igual a 1 € (o chamado 1 € simbólico).

Significa que a equação whistleblower útil vs. Abuso do direito de alertar nem sequer se pôs. Fica, de um modo mais prejudicial que o dano à reputação da pessoa coletiva comerciante (neste caso inexistente como o Acórdão o revela), o dano à honra e à reputação do whistleblower, ele próprio. Como se afere este dano, se o montante da multa foi reduzido? Precisamente por se tratar de multa (amende pénale) e não de coima. Ou seja, a prestação do whistleblower é comunicada ao registo criminal da nacionalidade do autor para todos os efeitos em direito convenientes. O whistleblower fica definitivamente marcado por ter sido whistleblower, com toda a polarização social que isto implica. Vítima de uma sociedade implacável para uns; revoltado permanente e problema de segurança pública para outros. Ocorre aqui que, no contexto do insulto aos políticos (insulto legitimado por estes se terem voluntariamente colocado na esfera pública, sendo que o politico insultado não é uma pessoa coletiva com estatuto genérico dentro de um ramo do direito, tem ele próprio o direito à honra e à reputação que, justamente, em razão de se ter voluntariamente colocado na esfera do debate público, ele próprio afastou – existem limites sempre que o insulto atinja a vida pessoal em terreno não politizado, mas a interpretação do direito à liberdade de expressão em relação aos políticos por razões justificadas com a necessária transparência e responsabilidade do político chamado a responder, tem sido bastante generosa, de modo justificado entenda-se, da parte do TEDH), no contexto do insulto aos políticos, o TEDH designa como efeito dissuasor da liberdade de expressão, a imposição de uma pena criminal pelo exercício do direito a esta liberdade (“chilling effect”). Com este Acórdão corre a sociedade que acolhe com estatutos europeus inovadores (a Diretiva U.E. sobre a proteção dos whistleblower, cujo prazo de transposição termina em dezembro do corrente ano), o perigo de ver fugir pela janela o que acolheu com a porta grande aberta. Doravante um Whistleblower vai ter, ainda que na urgência, que controlar se a informação que transmite já foi prestada ou não, o que pode ser difícil em concreto, pois sabe que a condenação penal e a correspondente estigmatização do cadastrado que daí advirá é muito provável. No fundo, não é claro que o presente Acórdão do TEDH tenha dado um sinal favorável à proteção tão necessária dos whistleblower na Europa. Sinal dos tempos…

O Acórdão foi adotado por uma maioria de 5 juízes, contra 2 que exprimiram uma opinião dissidente comum.

Na sua opinião dissidente comum, os juízes Lemmens e Pavli exprimiram o seu desconforto e um claro desacordo com a verificação da não violação do art.º 10.º § 1 da CEDH, o direito à liberdade de expressão, na vertente da proteção dos whistleblower. O pomo da discórdia está precisamente na alegada redundância da informação prestada por este whistleblower (a interpretação do 5.º critério da jurisprudência Guja: interesse público na partilha vs. proteção do comerciante). Para estes magistrados é justamente a questão da invocada redundância que perturba. Sucede que estes magistrados não avançaram em primeira mão com a leitura simples do “chilling effect” (este efeito vindo a ser abordado mais adiante). Entenderam que o queixoso fez a prova bastante nos processos internos de que a informação que prestara não era redundante no seu todo, no sentido de, sendo relativa aos mesmos factos, apresentava complementos de informação no sentido de mediante segmentos novos de matéria de facto, iluminar e esclarecer os factos principais considerados como repetidos. Esta informação nova, embora de identificação eventualmente subtil, mas que permite trazer nova luz aos problemas da evasão fiscal denunciada, é suscetível de integrar o juízo que se poderia fazer sobre os critérios da avaliação em concreto do caráter anti-social da evasão fiscal denunciada. Ora, na medida em que não é só a defesa do dinheiro o tema importante, mas também o tema da defesa do dinheiro do contribuinte, em que as Administrações nacionais e europeias tanto se empenham no combate à fuga e evasão fiscal, o TEDH com este Acórdão da maioria de 5 juízes da Seção não terá prestado um serviço de relevante interesse em contribuir para o combate à evasão fiscal tão urgente e necessária na Europa, na promoção, nomeadamente em termos de transparência, de uma gestão mais atual da coisa pública.

Quanto ao peso a conceder ao interesse do empregador privado, pessoa coletiva com estatuto de comerciante, contra o do próprio whistleblower, citam abundante jurisprudência do TEDH suscetível de trazer luz, por meio dos princípios gerais a integrar o concreto modelo de decisão constantes do § 5 da sua opinião dissidente. Estes magistrados destacam o exemplo de jurisprudência em que eventualmente o vencedor da queixa teria menor expetativa relativamente à tutela judicial europeia em relação à importância institucional do empregador (no caso Guja um alto funcionário do Ministério Público contra a Instituição, na Roménia). Neste caso o técnico que atuou como whistleblower , fê-lo em relação a uma pessoa coletiva com estatuto de comerciante, apenas. À luz da precariedade em que ficou este segundo whistleblower, destacam (agora sim, em linha argumentativa de progressão muito bem estruturada e desenvolvida) o “chilling effect” que esta condenação penal – nomeadamente por ser penal – com todos os efeitos de marcador social, por meio da inscrição no cadastro, determinará sobre qualquer outro whistleblower no futuro.

Para estes magistrados (os votos de vencido são sempre fonte de enriquecedora aprendizagem para o leitor desta sempre muito essencial jurisprudência), a liberdade de expressão em torno de questões de essencial interesse geral, provoca, em benefício do whistleblower uma presunção de compatibilidade com as disposições articuladas dos §§ 1 e 2 do art.º 10.º: a sanção muito provavelmente será desconforme aos limites rigorosos (recorde-se que no caso dos Whistleblowers a margem de apreciação do § 2 do art.º 10.º da CEDH é muito reduzida). Não se trata, naturalmente, de uma presunção juris et de jure, mas simplesmente juris tantum, ou seja é uma presunção de facto que integra uma prova prima facie na linguagem certa e eficaz da repartição do ónus da prova segundo o método do TEDH, que deve, de modo particularmente exigente, por se tratar do regime dos whistleblower, ser combatida para além de toda a dúvida razoável (o seu a seu dono, o critério foi importado pelos tribunais alemães em 1973 perante a insuficiência da repartição segundo o princípio, não constante de forma expressa em nenhum diploma alemão, da prova segundo o princípio affirmanti incumbit probatio, e, por isso, adaptável mediante jurisprudência, diversamente do que sucede no ordenamento nacional, do método empregue pelos tribunais Norte americanos, prima facie vs proof beyond any reasonable doubt, na expressão consagrada nas versões em inglês dos Acórdãos do TEDH). A necessidade inadiável invocada tem então, mesmo, de corresponder a imperiosa urgência social.

Neste sentido abona, segundo estes magistrados, a Diretiva whistleblowers da U.E., n.º 2019/1937 (§ 51 do Acórdão referido no § 10 do voto de vencido) a qual não faz depender a proteção dos whistleblowers do prejuízo causado ao empregador, sempre que estejam preenchidos os requisitos de premência na partilha da informação constantes do art.º 6.º da Diretiva. Quanto à questão da novidade exigida em termos de qualidade da partilha para obter o benefício da proteção dos whistleblowers, estes magistrados não concordam com o critério da novidade apresentado como necessário. Além de já terem destacado a prova de caráter complementar da partilha, cuja prova foi feita pelo queixoso nas instâncias internas, vêm agora estes magistrados trazer à luz deste problema, jurisprudência do TEDH relativa ao exercício do direito à liberdade de expressão, nomeadamente no caso português, Colaço Mestre e SIC (…) c. Portugal, 2007 (§27). Trata-se aqui de particularizar mais a questão de serem aportados novos segmentos de matéria de facto, eventualmente acessórios mas desconhecidos, que vão iluminar os factos considerados repetidos. Estes magistrados entendem, assim, ser problemático o entendimento rígido do critério de novidade necessária. Significa que se reduz deliberadamente o interesse e a importância de um debate de interesse geral ao rejeitar as bagatelas (“de minimis no curat praetor”). Ora esta posição acaba por ser algo perversa pois, ao reduzir a novidade ao que parece ser rigorosamente novo, “seca” o debate e acaba por o empobrecer. Não basta prestar os contornos vagos de um crime escandaloso, no exemplo que dão a seguir, devem estes contornos ser precisamente detalhados, pois importa conhecer (§ 14, dando o exemplo da difusão de um vídeo sobre violência policial).

Estes magistrados concluem que o entendimento do TEDH neste Acórdão e a sua posição redutora sobre a proteção dos whistleblowers está em conflito direto com o regime europeu (U.E.) de proteção dos whistleblowers na Diretiva com o seu nome citada, bem como com os esforços de regulação e de promoção da preeminência do direito, hoje reconhecidamente assumidos em todo o espaço europeu (U.E.+CoE, § 17).


Autor: Paulo Marrecas Ferreira

Fonte: Tribunal Europeu dos Direitos Humanos