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TEDH, 4ª Secção, Yasar c. Roménia, Acórdão de 26 de novembro de 2019

28 nov 2019

CEDH, Protocolo n.º 1, artigo 1.º. Direito de propriedade. Apreensão e perda de embarcação dedicada a atividades piscatórias ilícitas. Respeito da preeminência do Direito. Não violação.  

Yasar queixou-se contra a Roménia da apreensão e perda do seu navio, uma embarcação de pesca, e invocou a violação do seu direito de propriedade tutelado pelo artigo 1.º do Protocolo n.º 1 à CEDH.

Num dia do mês de abril de 2010, o navio de Yasar navegava com bandeira romena na zona económica exclusiva da Roménia, tendo sido mandado parar por uma embarcação da guarda costeira. Como se recusara a obedecer, a guarda costeira ameaçou abrir fogo e o navio intimado parou, tendo-se procedido à inspeção deste. As autoridades encontraram material para uma atividade piscatória proibida, em razão de legislação para a proteção de determinadas espécies marinhas, embora não tivesse sido encontrado pescado. Escoltado até ao porto de Constanta, o barco foi apreendido pelas autoridades com o equipamento que nele se continha.

Em processo penal, de que o capitão da embarcação foi arguido, apurou-se que esta não tinha licença de pesca para a atividade que se verificou praticar, que possuía equipamento destinado a pesca proibida, que tinha desenvolvido atividades de pesca ilícitas e que tinha ilicitamente hasteado o pavilhão romeno.

O capitão reconheceu a sua culpa, o que o sujeitou a um processo penal mais expedito, e declarou que empregava o navio de acordo com as instruções do seu proprietário, o Sr. Yasar.

Acabou por apurar-se que Yasar é cidadão turco e que o navio não tem registo romeno, sendo assim o emprego do pavilhão romeno ilícito. O capitão veio a ser condenado em pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução e o navio foi declarado perdido em benefício do Estado.

Um segundo processo, entretanto instaurado, foi dedicado ao exame da medida de apreensão e perda do navio, para concluir pela apreensão e perda desta embarcação, uma vez que fora o instrumento do crime.

O capitão esgotou os recursos internos disponíveis, adequados e suficientes para contestar esta medida, mas sem êxito, tendo-se verificado uma preocupação acentuada com a proteção dos golfinhos, que a atividade piscatória, reconhecida ter sido praticada, punha em perigo. Um processo de venda do navio em hasta pública teve lugar. Como este sofrera uma forte depreciação, em razão da sua imobilização, veio a ser vendido por cerca de 1900 €, os quais foram declarados em benefício do Estado.

Yasar queixou-se por esta razão, da violação do seu direito de propriedade, e a queixa foi admitida pela inexistência de exceções de inadmissibilidade.

Procedendo ao exame do fundo, o TEDH considerou que a apreensão e perda do navio em benefício do Estado fora uma interferência com o direito do queixoso ao gozo pacífico dos seus bens.  Enunciou as três regras que estão contidas no normativo do art.º 1.º do Protocolo n.º 1 à CEDH, a saber: 1. O princípio do gozo pacífico dos bens; 2. As condições em que pode ocorrer a privação de determinados bens; 3. O direito do Estado ao controlo da propriedade privada, nomeadamente por meio do recurso a taxas e impostos. O TEDH observou que a medida de privação do direito de propriedade atingira um bem que estava a ser empregue de modo ilícito e que a medida se destinara a prevenir o cometimento de novos crimes de idêntica natureza.

O TEDH notou que a medida foi de natureza permanente, uma vez que a perda do navio foi definitiva. E procurou aferir da compatibilidade desta medida, no seu contexto, com as exigências do art.º 1.º do Protocolo n.º 1 à CEDH.

Destacou os princípios gerais, segundo os quais uma interferência com o direito de propriedade deve estar de acordo com a lei interna e os princípios gerais de direito internacional (o costume internacional, o qual encerra, em particular, os direitos humanos). Esta interferência deve, ainda, assegurar um justo equilíbrio entre as exigências da coletividade e o interesse particular. Por fim, o Estado goza de uma ampla margem de apreciação, ao proceder a esta aferição. No caso concreto, a medida foi adotada de acordo com a lei, tanto ao nível do direito da União europeia, quanto ao nível das disposições do direito interno. Não vislumbrou o TEDH qualquer evidência de arbítrio da parte das autoridades neste procedimento. Quanto ao fim da medida, a proteção dos recursos biológicos da área do Mar Negro, ele foi legítimo. A questão da proporcionalidade da medida ficou para último lugar.

Quanto a esta, o TEDH destacou que é, nomeadamente, relevante o comportamento do titular do direito de propriedade atingido. Verificou-se que a embarcação era realmente empregue para uma atividade ilegítima, que o navio estava bem apetrechado para este efeito, nada indicando existir uma qualquer arbitrariedade na avaliação da prova feita pelas autoridades romenas.

Além do que estas ponderaram a gravidade do crime e a seriedade da medida, em particular, face ao material encontrado no navio.

Um montante pecuniário cobrado a título de sanção não teria sido medida adequada, pois o agente do ilícito não teria ficado privado do meio para o exercício da sua atividade criminosa. A medida de apreensão e perda do navio não foi, assim, desproporcional, e por isso, não se verificou a violação do artigo 1.º do Protocolo n.º 1 à CEDH, direito ao gozo pacífico dos bens.

O Acórdão, diverso de uma decisão porque a queixa foi admitida, foi adotado por unanimidade, sem opiniões concordantes ou concordantes parciais.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira

Fonte: Tribunal Europeu dos Direitos Humanos