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TEDH, 5 de julho de 2016, Buzadji c. Moldova

29 jul 2016

Prisão preventiva por receio de fuga, destruição de prova e especial complexidade do caso. Aceitação deste argumento durante um certo período de tempo. Necessidade de justificação com fundamentos bastantes e relevantes depois desse período de tempo. Art.º 5. Par. 3 da CEDH, princípios Letellier. Violação.

Buzadji detinha uma pequena participação numa empresa distribuidora de energia, propriedade em 82 por cento, do Estado.  Veio a ser acusado de tentativa de fraude e de ter negociado aquisições de gaz da Ucrânia e do Cazaquistão com intermediários e não, diretamente, com o produtor. Defendeu-se, negando a tentativa de fraude e afirmando que a aquisição a intermediários era justificada porque o produtor só aceitava vender por períodos superiores a cinco anos de consumo, e a pronto pagamento, tornando os montantes exigidos para os pagamentos correspondentes, muito superiores à disponibilidade financeira da empresa no quadro da sua atividade regular.

Foi preso em 2007 e, ao longo desse ano veio a sofrer sucessivas prorrogações da sua prisão preventiva, sem qualquer apresentação a julgamento.

Tendo sofrido um enfarte e um AVC, pediu repetidas vezes, que a sua prisão se convertesse em prisão domiciliária. Num episódio obteve vencimento mas a medida foi revogada em recurso, regressando à prisão após 3 dias de prisão domiciliária.

No final de 2007, a sua prisão preventiva foi substituída pela prisão domiciliária, onde permaneceu mais algum tempo.

Veio a ser colocado em liberdade mediante caução e, em 2011, foi absolvido das várias acusações deduzidas contra ele, pela Justiça da República da Moldova.

Queixou-se ao TEDH da violação do artigo 5 par. 3 da CEDH: o direito a não ser preso preventivamente sem apresentação a breve trecho a um juiz que examine as acusações contra ele formuladas.

O TEDH examinou cuidadosamente o caso e observou dois períodos de prisão. A prisão preventiva passada propriamente em estabelecimento penitenciário e a prisão domiciliária. Concluiu que, embora a prisão domiciliária se pareça com uma restrição à liberdade de circulação, que relevaria do artigo 2 do Protocolo n. 4 à CEDH, continua a pertencer ao quadro de restrições à liberdade excecionalmente admitidas – ou pelos menos reguladas – pelo art. 5.º da CEDH.

E recorrendo aos princípios Letellier, desenvolvidos pelo Tribunal ao longo da sua jurisprudência, distinguiu entre o primeiro momento – um certo período de tempo – em que a prisão é admissível pela notícia do cometimento do crime e a necessidade, para as autoridades de acautelarem a prova e se assegurarem que o arguido não virá a fugir, garantindo a possibilidade de virem a gerir o processo de modo a verificarem a existência do crime e a ser feita justiça; e o tempo que segue este período determinado, em que, para que a prisão se possa sustentar, é necessário justificá-la com razões, e fundamentos identificados no próprio processo, bastantes e relevantes.

Ora, as sucessivas renovações da prisão preventiva e da prisão domiciliária foram feitas sem outra justificação que não fosse o perigo de fuga, de destruição de prova e a complexidade do caso. Não foi, depois do tempo em que é aceitável, por parte das autoridades invocarem esta necessidade, sustentada a continuação da prisão, quer preventiva, quer domiciliária, com qualquer razão material, relevante e, naturalmente, bastante.

Nomeadamente, com o seu débil estado de saúde e a sua vida familiar muito desenvolvida na Moldova, seria difícil ao arguido fugir, nomeadamente para a República Moldava da Transnistria. Também tinha deixado de ter acesso a documentação da empresa e o seu computador e vária documentação pertinente tinham-lhe sido apreendidos, em busca domiciliária efetuada no momento da sua prisão preventiva. A esta luz, a especial complexidade do caso já não era argumento relevante, e muito menos bastante, para a manutenção da sua prisão, quer preventiva, quer domiciliária. Verificou-se, assim, a violação do art. 5.º par. 3 da CEDH.

Vários votos, nomeadamente duas opiniões discordantes, manifestaram desconforto com a questão da prisão domiciliária. A questão que os juízes colocaram foi a de saber se, uma vez que foi o arguido quem a pediu, ele teria ou não, quanto a esta etapa da sua prisão, renunciado ao seu direito à liberdade. É preciso notar todavia, como algumas das opiniões concordantes que levantaram o problema o dizem, que o arguido pediu a prisão domiciliária, porque, com uma saúde débil, não suportava a prisão preventiva. Não haveria, assim, renúncia ao seu direito à liberdade.

A resposta encontra-se no desenvolvimento do próprio acórdão antes da fase da sentença. Aí o TEDH diz que o arguido pediu a prisão domiciliária por não suportar a prisão preventiva, mas que o direito à liberdade de que se ocupa o artigo 5. é um direito de dimensão absoluta que não se confunde com a situação do sem-abrigo que pede para passar uma noite, protegido, na esquadra de polícia. Nesta própria situação do sem-abrigo, o seu pedido de proteção nem sequer representa a aceitação do afastamento do seu direito à liberdade pelo tempo da noite que passa na esquadra, precisamente pela irrenunciabilidade do seu direito à liberdade tutelada pelo art. 5.º Por maioria de razão muito menos pode representar uma renúncia do direito à liberdade, um pedido de prisão domiciliária alternativo à prisão preventiva. Esta questão assume relevância na economia do acórdão. Se se entendesse que poderia haver aqui uma renúncia à liberdade, então, para se queixar ao TEDH, Buzadji deveria ter recorrido internamente, depois de a pedir, em tribunal, da prisão domiciliária. Ora compreende-se que um tal recurso quando foi o próprio que pediu a medida correspondente, depararia certamente com uma exceção de inalegabilidade, e por isso não é, de todo, exigível.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira