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TEDH, 5 de novembro de 2015. Henrioud c. França

9 nov 2015

Divórcio. Cônjuges suíços. Saída da mulher para  França levando consigo os filhos menores do casal. Rapto internacional de crianças. Processo em França. Omissão de peça processual em recurso. Não recebimento. Formalismo judicial excessivo. CEDH, artigo 6.º § 1, violação. 

Henrioud casou com FV., sendo ambos de nacionalidade suíça. O casal teve dois filhos. Veio a enfrentar graves dificuldades financeiras e desavenças sérias e FV saiu de casa para passar alguns dias com uma amiga, com as crianças.

Henrioud apresentou imediatamente uma providência cautelar de proibição de saída da mulher da Suíça, a qual foi deferida. Num pedido de natureza reconvencional, FV pediu que lhe fosse atribuída a guarda das crianças. Na pendência do pedido reconvencional, veio a partir para França, para o domicílio dos pais.

Henrioud pediu o regresso das crianças, pedido que foi transmitido pela autoridade central suíça à autoridade central francesa por aplicação da Convenção da Haia relativa ao rapto internacional de crianças.

De peripécia judicial em peripécia judicial, Henrioud intentou uma ação pedindo o regresso das crianças à Suíça perante a Justiça francesa. E, nos termos da lei francesa, a ação veio a ser conduzida pelo Procurador da República junto do tribunal competente.

Henrioud havia, entretanto, assinado um documento, concedendo o divórcio e a guarda das crianças à mãe, com a condição de as poder visitar regularmente mantendo deste modo o seu convívio.

O Tribunal de Grande Instância de Bordéus deu razão à mãe das crianças, recusando o seu regresso à Suíça, com o fundamento de que estas estavam bem integradas em França, concluindo, ainda, que a deslocação das crianças, da Suíça para França, nada havia tido de ilícito.

O Procurador da República recorreu desta decisão para o tribunal da Relação de Bordéus (Cour d’Appel). Alegou que a ilicitude da deslocação das crianças resulta, segundo a Convenção da Haia, da simples violação do direito de guarda do outro progenitor, para além da medida de proibição de saída do território, decretada, enquanto medida cautelar, pelo tribunal suíço.  Além de um vasto conjunto de fundamentos, recordou que o pai, requerente, exercia efetivamente e de modo conjunto com a mãe, o seu direito de guarda das crianças, e pediu, assim, a infirmação do julgamento do tribunal de grande instância de Bordéus bem como o regresso imediato das crianças ao domicílio, agora, do seu pai.

Este recurso foi recebido pela Cour d’Appel mas foi rejeitado por improcedente. O direito processual civil francês permite, ainda assim, mais um recurso, desta vez de cassação, da decisão da Cour d’Appel, a proferir pela própria Cour d’Appel. E impõe que seja junta ao recurso a notificação da emissão da decisão impugnada.

Ora o Procurador-Geral competente para este recurso, e que o efetuou, omitiu a junção desta notificação. E a Cour d’Appel não recebeu o recurso escudando-se no artigo 979.º do Código de Processo Civil francês.

Henrioud perdeu, assim, a ação, e os seus esforços para recuperar a guarda ou alguma possibilidade de ver as crianças foram vãos. Queixou-se ao Tribunal Europeu.

Esta alta jurisdição internacional estudou os vários elementos da queixa e entendeu que não houve negligência por parte do requerente em promover a sua ação, pedindo a regulação do poder parental e o exercício conjunto da guarda das crianças, por aplicação da Convenção da Haia, exercendo o direito de recurso que lhe cabia.

Entendeu que a negligência foi imputável ao Procurador junto da Cour d’Appel durante o exercício do direito de recurso, de cassação, do requerente – que este não podia, por lei, acionar; e que existiu um formalismo excessivo da parte da Cour d’Appel, ao não receber o recurso sem dar a possibilidade ao Ministério Público de juntar entretanto, a peça processual em falta.

No domínio do acesso ao direito, verificou-se, assim, para o TEDH, a violação do artigo 6.º § 1 da CEDH.

Henrioud queixou-se, ainda, no domínio do direito à vida privada e familiar, do facto de as autoridades judiciais, ao confiarem a guarda das crianças à sua mãe, terem violado o art.º 8.º da CEDH. Esta parte do pedido do requerente não foi concedida, pois o TEDH entendeu que as autoridades francesas tinham interpretado, como competia, o direito internacional e francês aplicável, tanto mais que Henrioud não teria tido – conscientemente ou não – a mesma diligência que a que manifestou, ao protestar contra a ação da justiça no quadro da violação do artigo 6.º § 1 da CEDH, em esgotar os meios internos relativos à aplicação do art.º 8.º. Com efeito, FV tinha, finalmente, vencido o requerente perante as jurisdições suíças, facto de que a justiça francesa foi informada; contudo Henrioud não teve o cuidado de informar as autoridades francesas de que havia, entretanto, interposto os recursos que cabiam desta decisão das autoridades judiciais suíças. 


Autor: Paulo Marrecas Ferreira