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TEDH, 5ª Secção, Mazahir Jafarov c. Azerbaijão, Acórdão de 2 de abril de 2020

29 abr 2020

CEDH, Artigos 6.º e 1.º do Protocolo n.º 1 à CEDH. Direito à fundamentação da sentença, iniquidade processual, violação. Direito de propriedade. Não examinado.

Mazahir Jafarov (o requerente), a mulher e os filhos tiveram direito a um alojamento do Estado e ocuparam uma fração de 3 quartos, propriedade da empregadora do requerente, uma empresa pública. Volvidos alguns anos, com os filhos ainda menores, e mediante o consentimento da esposa, o requerente adquiriu a fração da casa de morada da família, tornando-se o seu proprietário.

Em 2007, marido e mulher divorciaram-se, mas continuaram a viver no mesmo apartamento, registando-se crescentes conflitos domésticos. Mulher e filhos mostraram a marido e pai que não podia continuar a viver em casa, e este teve de abandonar a residência comum.

A ex-mulher veio a propor uma ação judicial contra o marido, pedindo o reconhecimento judicial do seu direito à propriedade de 2/3 do imóvel, em razão da sua condição de ex-mulher e mãe. Em pedido reconvencional, o ex-marido pediu o despejo da mulher e dos filhos, propondo o pagamento a estes de uma compensação que lhes permitira suportar o custo da aquisição de uma residência própria.

O tribunal de 1ª instância cível rejeitou tanto o pedido quanto a reconvenção, por improcedência. Segundo o tribunal, o facto de o apartamento ter sido adquirido na constância do matrimónio, não o tornava (de acordo com o direito vigente no Azerbaijão) bem comum, pois tinha sido adquirido em nome próprio pelo marido com o consentimento da mulher. Quanto à compensação proposta, esta não seria bastante para a aquisição de nova fração, de acordo com uma decisão do Tribunal Constitucional (o TC). O requerente invocou a iniquidade e recorreu para a segunda instância com um novo estudo do mercado e cálculos complexos em torno das prestações de arrendamento que definiriam montantes exprimindo valores de aquisição segundo o mercado. Novamente a segunda instância, sempre com uma fundamentação lacónica, rejeitou por improcedente o pedido do requerente. Recorreu ao Supremo Tribunal de Justiça, Seção cível, e novamente perdeu, sempre com fundamentação insuficiente. Acabou por se queixar ao TEDH.

Examinando o direito, este tribunal debruçou-se sobre a questão da violação eventual do art.º 6.º § 1 da CEDH (iniquidade processual) por deficiente motivação das decisões nacionais. Admitiu liminarmente a queixa e, quanto ao mérito da questão, adiantou que, nos termos do artigo 19.º da CEDH, o papel do TEDH é o de fazer cumprir a CEDH, não lhe cabendo examinar erros de facto ou de direito que possam ter sido cometidos pelas jurisdições nacionais, a sua função não sendo a de um tribunal de recurso. Adiantou ainda que a função da CEDH não é de assegurar direitos teóricos ou ilusórios, mas direitos práticos e efetivos, o que significa que as alegações das partes devem ser “ouvidas” pelo tribunal (the right to be heard) significando que este tem de responder às questões que são colocadas no processo, de modo fundamentado. Ainda assim, a fundamentação prestada só será deficiente quando a omissão da fundamentação ou a sua pobreza conduzirem a um erro de facto ou de direito que se traduza em denegação de justiça. No caso sub-judice a possibilidade de o queixoso apresentar ao tribunal a proposta que fez, estava prevista em disposição do Código Civil nacional. Apesar da jurisprudência do TC acima referida, nem o Código Civil nem o TC fornecem critérios em termos de avaliação da indemnização. O Governo, por sua parte, não deu qualquer informação sobre que tipo de providência o requerente deveria ter empregue no processo interno, no sentido de tornar a sua proposta operacional. Para o TEDH, o requerente demonstrou a eventual validade da sua proposta, enquanto, ao dizer secamente que o montante proposto não era suficiente, os tribunais judiciais do Azerbaijão não fundamentaram as suas decisões com argumentos bastantes. O TEDH observou que ao longo das etapas processuais, o queixoso foi instruindo a sua proposta com dados e cálculos de agências imobiliárias. Uma resposta apenas negativa não podia caber neste contexto. O que significa que os tribunais foram insensíveis à pretensão do requerente, nem sequer a tendo examinado. Verificou-se, assim, a violação do art.º 6.º § 1 da CEDH, iniquidade processual por falta de fundamentação das decisões judiciais internas neste caso.

O requerente arguiu ainda que a conduta das autoridades a respeito do seu caso atingia o seu direito de propriedade, tutelado pelo art.º 1.º do Protocolo n.º 1 à CEDH. A luz da conclusão a que chegou quanto à iniquidade processual invocada, o TEDH não examinou este segmento da queixa.

O Acórdão foi votado por unanimidade sem opiniões concordantes ou concordantes parciais.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira  

Fonte: Tribunal Europeu dos Direitos Humanos