CEDH, Artigo 7.º, Nullum crimen, nulla poena sine lege, 6.º iniquidade processual, 3.º maus tratos. Condenação por vários crimes de terrorismo em Marrocos. Transferência para França ao abrigo da Convenção relativa à transferência de pessoas condenadas vigente entre os dois países, a questão da adaptação da pena versus a substituição da sentença penal.
Robert , um cidadão francês, foi constituído arguido e, posteriormente, condenado em Marrocos pela prática de terrorismo, a qual se materializou no cometimento de vários crimes porque veio a ser condenado na pena de prisão perpétua. Requereu a sua transferência para França, ao abrigo da Convenção franco-marroquina relativa à transferência de pessoas condenadas, pedido que foi satisfeito e, uma vez em França, pediu a adaptação da sua pena ao Direito francês, entendendo, no seu requerimento, que o direito a aplicar seria o direito francês vigente ao tempo do cometimento dos crimes porque fora condenado, e não o direito francês vigente no momento da efetivação da sua transferência.
A justiça francesa, numa sentença do Tribunal de Paris, não entendeu assim. Aplicou a Robert o direito francês aplicável no momento da concretização da transferência, o que significou a adaptação da sua pena criminal e não a revisão da sentença inicial, ou a elaboração de nova sentença criminal de substituição da primeira. E reduziu a pena perpétua marroquina para o máximo aplicável em França, ou seja, trinta anos, dos quais deduziu o tempo de execução de pena já cumprido em Marrocos.
Robert não se conformou, esgotou os recursos disponíveis e perdeu, vindo a queixar-se ao TEDH. Entendendo que a não substituição da sentença do Tribunal criminal de Rabat equivalia a uma aplicação de pena sem crime, porque sem condenação, e por isso, sem fundamento legal, invocou o artigo 7.º da CEDH, nullum crimen, nulla poena sine lege. Acrescentou a consideração de que o processo de adaptação da pena teria sido iníquo, artigo 6.º e entendeu que este conjunto circunstancial equivalia a maus tratos, invocando o artigo 3.º da CEDH.
O TEDH, numa decisão que parece equilibrada, recordou que foi o próprio Robert quem pediu a adaptação da pena, e não a repetição do julgamento, embora o modo como conduziu o processo interno desse a entender que pretendia a repetição do julgado.
Sucede que, tratando-se do cumprimento da pena, o art.º 7.º da CEDH não é, segundo jurisprudência constante do TEDH, aplicável. Por outro lado, a matéria da execução das penas criminais não releva do artigo 6.º da CEDH (apenas a própria matéria criminal, em sede de julgamento – não a execução da sentença). Enfim, da conduta das autoridades, não resulta a imposição de maus tratos. Para além do mais, se este modo de operar da justiça francesa foi legítimo, dele não resulta a imposição de maus tratos a Robert.
O caso, embora apenas de decisão de inadmissibilidade, é interessante, na medida em que uma decisão penal cujo fundamento seja legítimo não deve ser revista ou substituída por outra, no país do cumprimento da pena. Em contrapartida, a pena aplicável à pessoa condenada transferida, deverá ser adaptada no país de execução da pena, nomeadamente para a por em conformidade com os máximos legais penais.
Autor: Paulo Marrecas Ferreira
Fonte: Tribunal Europeu dos Direitos Humanos