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TEDH, 6 de julho de 2017, Sadkov c. Ucrania.

10 jul 2017

Prisão em comboio de viajante que se deslocava para a Moldova. Detenção com fundamento em suspeita de cometimento de homicídio e de roubos. As questões dos maus tratos em detenção e da sua investigação, do acesso a advogado durante a prisão preventiva e do direito a não se auto-incriminar, bem como da justificação da prisão e do direito a recurso de prisão ilegal. CEDH artigos 3.º processual e substancial, violação, 5.º 1 e 4, violação, 6.º, 1 e 3 não violação.

Sadkov viajava de comboio para a Moldova, tendo sido detido durante a viagem com fundamento em roubos e homicídio.

Foi preso preventivamente, tendo sido submetido a interrogatório policial, sem presença de advogado e sem ter sido advertido de que tinha o direito a guardar o silêncio.  Alegou ter sido submetido a maus tratos durante a sua estadia nas instalações da polícia, o que foi verificado por relatórios médicos.

A seguir ao seu julgamento, foi condenado em 15 anos de prisão, por homicídio e um conjunto de roubos. As suas confissões, prestadas na esquadra de polícia, foram um dos suportes desta condenação, em conjunto com vários depoimentos de testemunhas e de outros acusados.

No final, após um conjunto de recursos infrutíferos, nomeadamente relativos aos fundamentos da sua prisão preventiva, Sadkov queixou-se ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

O TEDH examinou as suas queixas e concluiu que, existindo relatórios médicos atestando marcas no corpo de Sadkov, não era aceitável que não tivesse sido conduzida uma investigação aos alegados maus tratos. Neste sentido, houve uma violação do artigo 3.º da CEDH, proibição da tortura e tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, no domínio processual. E verificou-se também a violação substancial, uma vez que as marcas no corpo foram patentes, e que, feito o início de prova dos maus tratos, o Governo não apresentou prova para além de toda a dúvida razoável em contrário.

Sobre um período de prisão preventiva, que demorou cerca de um ano, de março de 2005 a abril de 2006, extensão não fundamentada, de modo diferente da simples afirmação da necessidade de prosseguir a investigação, e da qual não cabia qualquer possibilidade de recurso, o TEDH verificou a violação do direito à liberdade e à segurança de Sadkov (art.º 5, par. 1 da CEDH) e do seu direito de recurso de uma prisão ilegal, nos termos do parágrafo 4.º deste mesmo artigo.

Já é muito menos evidente a conclusão a que o TEDH chegou, relativamente à não violação do artigo 6.º parágrafos 1 e 3c da CEDH, direito a um julgamento equitativo e direito à assistência por um advogado.

Com efeito, recorrendo à sua jurisprudência proferida no caso Salduz, segundo a qual sempre que não existem razões compulsivas para afastar o auxílio por um advogado, justificadas à luz das necessidades do processo penal, a assistência por advogado é obrigatória; o TEDH verificou que estas razões compulsivas não existiam no caso.

Mas, apesar das dúvidas que Sadkov lançou sobre a legitimidade da obtenção de prova contra ele, tendo alegado os maus tratos em detenção, a sua confissão forçada e a falta de assistência por advogado, bem como a não advertência de que tinha o direito ao silêncio, e apesar de ter julgado que Sadkov foi vítima de maus tratos e que não foi assistido por advogado; o TEDH entendeu que os maus tratos não foram suficientemente relevantes para condicionar a legitimidade da prova (Sadkov apesar de maltratado não teria sido espancado o suficiente para confessar, sentido aliás do voto dissidente de três juízes, que entendem que a Ucrânia nem sequer deveria ter sido condenada por violação do artigo 3.º da CEDH), e que, assim, apesar de não existirem razões para afastar o advogado, a ausência deste do processo na sua fase inicial, não seria bastante para inquinar a equidade processual e o direito a advogado, que não foi cumprido.

A decisão é difícil porque encerra contradições. Se houve maus tratos, estes não podem ser bastantes para fundamentar a tortura, mas insuficientes para determinar a falta de equidade processual. Por outro lado, se na jurisprudência Salduz se concluiu que a ausência de advogado sem que razões ponderosas a justificassem, conduzia à iniquidade processual, não se pode dizer que não havendo razões para justificar a ausência do advogado, esta, ainda assim, não é necessária nem indispensável; a não ser que o TEDH tenha desejado introduzir incerteza na sua jurisprudência.

Justiça seja feita à opinião discordante dos juízes Yudkivska e Grozev que entenderam que se não existiam razões compulsivas para afastar o advogado, como o TEDH o reconheceu, um advogado deveria ter assistido Sadkov, não se justificando a sua falta, em violação do artigo 6.º parágrafos 1 e 3c da CEDH.  

 

por: Paulo Marrecas Ferreira