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TEDH, 7 de janeiro de 2016, Davidsons e Savins c. Letónia.

11 jan 2016

Presença de mesmo magistrado em decisão sobre a prisão preventiva e na decisão final do caso. Critérios para a aferição da imparcialidade subjetiva e da imparcialidade objetiva. CEDH, art.º 6.º par. 1. Davidsons, não violação. Savins, violação.

Davidsons foi privado de liberdade, em regime de prisão preventiva, por um lapso temporal de dois meses, por tráfico de droga e venda de objetos não autorizados a presos em cumprimento de pena. A decisão que lhe impôs a prisão preventiva encontrava fundamento no perigo de fuga, tanto mais que Davidsons não tinha residência conhecida e já se havia furtado à justiça em caso anterior. A juíza que presidiu o coletivo que decidiu a aplicação da prisão preventiva veio a intervir mais tarde, presidindo ao coletivo que o condenou, nomeadamente orientando a atividade dos juízes não magistrados que vieram a condená-lo. Davidsons recorreu, em vão, e veio a queixar-se ao TEDH.

Savins foi preso preventivamente por roubo. A decisão que lhe impôs a prisão preventiva foi tomada por um coletivo de três juízes, coletivo que, dois anos mais tarde, veio a condená-lo por este crime. Savins recorreu, em vão, e acabou por se queixar ao TEDH.

Sendo os dois casos apresentados em momentos próximos e ambos c. a Letónia, o TEDH apensou-os e procedeu ao exame das várias questões colocadas pelos dois requerentes, de que apenas reteve uma, comum a ambos os casos, a questão da imparcialidade do tribunal de julgamento.

Recorreu à sua própria jurisprudência e definiu a imparcialidade subjetiva como a manifestação da convicção pessoal do julgador ou a existência de um interesse seu no julgamento do caso, e definiu a imparcialidade objetiva como a verificação de que o julgador oferece, ou não, garantias bastantes para excluir qualquer dúvida legítima, no contexto do caso, da sua imparcialidade. No primeiro caso (i. subjetiva), a imparcialidade presume-se até prova do contrário, no segundo caso (i. objetiva), cumpre verificar se existem factos demonstráveis que põem em causa a imparcialidade, assumindo a própria aparência de parcialidade, como seja a repetição do coletivo, um certo relevo.

Aplicando estes critérios aos dois casos, verificou que no primeiro, o coletivo apenas exprimiu o receio de fuga e a necessidade de conservação da prova, sem qualquer afirmação de valor quanto a esta. Embora tenha declarado a queixa de Davidsons admissível, concluiu pela sua improcedência, absolvendo a Letónia do pedido deste requerente. Não se verificou, assim, violação do artigo 6.º par. 1 da CEDH, neste caso.

Examinando a queixa de Savins, verificou que o mesmo coletivo, composto por três juízes, decidiu a prisão preventiva e veio a final, a condenar Savins. Na decisão que aplicou a prisão preventiva foram proferidos certos juízos de valor relativos ao seu comportamento. Savins, nomeadamente, perante o coletivo que lhe aplicou a prisão preventiva, apresentou argumentos sobre o seu comportamento futuro. Queria casar com a namorada e contrair um empréstimo para adquirir a casa de morada da família, pedia com veemência para não ser preso porque tinha de ganhar a vida, e prometia não voltar a roubar. Nesse momento, os juízes não se impediram de comentar estas afirmações, referindo-se ao facto de ser notória a fraqueza de caráter deste arguido que, roubando, assumia um comportamento contrário aos projetos que afirmava ter e pelos quais pedia a sua manutenção em liberdade. Ao exprimirem esta opinião, no momento da decisão da prisão preventiva, os juízes deixaram antever a sua convicção pessoal relativamente a Savins. Não passaram, assim, no critério subjetivo de imparcialidade, segundo o TEDH. O decurso do lapso temporal de dois anos, que segundo a Letónia bastaria para apagar da memória dos juízes a sua anteriormente expressa convicção pessoal, não foi bastante para o TEDH. Tanto mais que, tratando-se exatamente do mesmo coletivo, tudo deixava recear, no que toca à imparcialidade objetiva, uma perigosa parcialidade. Julgando o mesmo coletivo que decretara a prisão preventiva pelo crime de que Savins vinha arguido, este coletivo não passou, também, no crivo do teste objetivo de imparcialidade do TEDH. Houve assim uma violação do artigo 6.º par. 1 da CEDH direito a um tribunal imparcial da parte da Letónia, no que respeita à queixa de Savins.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira