Simp

Está aqui

TEDH, 9 de julho de 2015. Martzaklis e outros c. Grécia

13 jul 2015

Prisão de seropositivos com doença não declarada. Confinamento em hospital psiquiátrico. Condições de detenção deficientes. Casos de declaração da doença. Discriminação em razão da doença. Ausência de recurso efetivo. Tortura e tratamento cruéis, desumanos e degradantes. Art.º 3º combinado com o art. 14º CEDH (tortura+discriminação), violação; Art.º 3º combinado com o art.º 13º (tortura + recurso não efetivo), violação.

Martzaklis e outros, foram presos ou ainda estão presos, na seção psiquiátrica do Hospital de Aghios Pavlos, na prisão de Korydallos; são seropositivos com uma taxa de invalidez de 67%.

Queixaram-se de discriminação por terem sido colocados na seção psiquiátrica do hospital penitenciário em razão da sua patologia e da ausência de recurso efetivo contra as suas condições de detenção. Queixaram-se, naturalmente, das suas condições de detenção resultando num tratamento cruel, desumano ou degradante, contrário ao art.º 3º da CEDH.

O ponto de partida da sua situação é o de que a sua patologia, conhecida, não estava declarada. Ou seja, poderiam não ter sido isolados dos demais reclusos da cadeia de Korydallos. Mas foram-no e em condições de sobrelotação da prisão-hospital, sem acesso aos necessários medicamentos, sem muda frequente da roupa das camas, convivendo com fumadores, sem médicos especialistas para as várias patologias. De modo que grassando a tuberculose no hospital penitenciário, alguns dos seropositivos passaram à condição de doença declarada. Um aspeto particularmente delicado destas condições de detenção é a disponibilidade de espaço ser  inferior a dois metros quadrados por recluso.

Duas notas ilustrando as dificuldades extremas destes reclusos: o enfermeiro deixa os medicamentos que lhes distribui no chão, e posteriormente os reclusos vão busca-los. Uma enfermeira incumbida de determinados contactos com os reclusos pede-lhes para não tocarem nas grades que a separam destes, para evitar o perigo de contágio.

Um relatório do Provedor de Justiça Grego coloca o dedo nesta ferida do sistema penitenciário e exige melhorias. Um relatório do Comité para a  Prevenção da Tortura do CoE afirma que, não sendo a doença declarada, os reclusos com o vírus HIV não devem ser separados dos demais, devendo existir a constante prestação de cuidados e o respeito das condições de higiene no estabelecimento prisional.

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos condenou, assim, a Grécia, por violação das disposições combinadas do art.º 3º da CEDH (proibição dos tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes) e 14º (proibição da discriminação), na medida em que estes reclusos foram discriminados por serem portadores do vírus do SIDA; e por violação do art.º 3º da CEDH combinado com o art.º 13º (necessária existência de recursos internos efetivos para pôr fim às violações), notando que os recursos internos dos queixosos contra estas violações em nada melhoraram a sua situação, os queixosos tendo inclusivamente ficado vencidos nestes meios judiciais e administrativos.

Uma nota sobre um ponto de alguma curiosidade deste caso deve ser feita. Os queixosos acordaram um pagamento de honorários aos seus representantes judiciais sob a forma de quota litis (esta é proibida no sistema deontológico português para evitar que com ela se possa influenciar o advogado perdendo este a sua independência relativamente ao seu constituinte). Além da reparação razoável, segundo a equidade, para o dano moral, que avaliou em 10 000 euros por queixoso, o TEDH não se pronunciou sobre o mecanismo de honorários escolhido pelos queixosos e seus representantes. Aceitou, apenas, que um acordo de quota litis significa o reconhecimento, pelo queixoso, de que deve honorários ao seu representante. E, olhando para a sua jurisprudência nos casos gregos, atribuiu o montante de 2 500 euros por queixoso a título de despesas e honorários nas queixas introduzidas diante dele, TEDH.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira