Prisão de seropositivos com doença não declarada. Confinamento em hospital psiquiátrico. Condições de detenção deficientes. Casos de declaração da doença. Discriminação em razão da doença. Ausência de recurso efetivo. Tortura e tratamento cruéis, desumanos e degradantes. Art.º 3º combinado com o art. 14º CEDH (tortura+discriminação), violação; Art.º 3º combinado com o art.º 13º (tortura + recurso não efetivo), violação.
Martzaklis e outros, foram presos ou ainda estão presos, na seção psiquiátrica do Hospital de Aghios Pavlos, na prisão de Korydallos; são seropositivos com uma taxa de invalidez de 67%.
Queixaram-se de discriminação por terem sido colocados na seção psiquiátrica do hospital penitenciário em razão da sua patologia e da ausência de recurso efetivo contra as suas condições de detenção. Queixaram-se, naturalmente, das suas condições de detenção resultando num tratamento cruel, desumano ou degradante, contrário ao art.º 3º da CEDH.
O ponto de partida da sua situação é o de que a sua patologia, conhecida, não estava declarada. Ou seja, poderiam não ter sido isolados dos demais reclusos da cadeia de Korydallos. Mas foram-no e em condições de sobrelotação da prisão-hospital, sem acesso aos necessários medicamentos, sem muda frequente da roupa das camas, convivendo com fumadores, sem médicos especialistas para as várias patologias. De modo que grassando a tuberculose no hospital penitenciário, alguns dos seropositivos passaram à condição de doença declarada. Um aspeto particularmente delicado destas condições de detenção é a disponibilidade de espaço ser inferior a dois metros quadrados por recluso.
Duas notas ilustrando as dificuldades extremas destes reclusos: o enfermeiro deixa os medicamentos que lhes distribui no chão, e posteriormente os reclusos vão busca-los. Uma enfermeira incumbida de determinados contactos com os reclusos pede-lhes para não tocarem nas grades que a separam destes, para evitar o perigo de contágio.
Um relatório do Provedor de Justiça Grego coloca o dedo nesta ferida do sistema penitenciário e exige melhorias. Um relatório do Comité para a Prevenção da Tortura do CoE afirma que, não sendo a doença declarada, os reclusos com o vírus HIV não devem ser separados dos demais, devendo existir a constante prestação de cuidados e o respeito das condições de higiene no estabelecimento prisional.
O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos condenou, assim, a Grécia, por violação das disposições combinadas do art.º 3º da CEDH (proibição dos tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes) e 14º (proibição da discriminação), na medida em que estes reclusos foram discriminados por serem portadores do vírus do SIDA; e por violação do art.º 3º da CEDH combinado com o art.º 13º (necessária existência de recursos internos efetivos para pôr fim às violações), notando que os recursos internos dos queixosos contra estas violações em nada melhoraram a sua situação, os queixosos tendo inclusivamente ficado vencidos nestes meios judiciais e administrativos.
Uma nota sobre um ponto de alguma curiosidade deste caso deve ser feita. Os queixosos acordaram um pagamento de honorários aos seus representantes judiciais sob a forma de quota litis (esta é proibida no sistema deontológico português para evitar que com ela se possa influenciar o advogado perdendo este a sua independência relativamente ao seu constituinte). Além da reparação razoável, segundo a equidade, para o dano moral, que avaliou em 10 000 euros por queixoso, o TEDH não se pronunciou sobre o mecanismo de honorários escolhido pelos queixosos e seus representantes. Aceitou, apenas, que um acordo de quota litis significa o reconhecimento, pelo queixoso, de que deve honorários ao seu representante. E, olhando para a sua jurisprudência nos casos gregos, atribuiu o montante de 2 500 euros por queixoso a título de despesas e honorários nas queixas introduzidas diante dele, TEDH.
Autor: Paulo Marrecas Ferreira