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TEDH, Gogitidze e outros c. Geórgia. Enriquecimento ilícito

18 maio 2015

Posições políticas e públicas na República Autónoma da Ajária. Modificação da estrutura de poder. Verificação de um acervo patrimonial muito superior aos rendimentos lícitos dos seus titulares. Perda dos bens em benefício do Estado. CEDH, Protocolo, n.º 1, art.1º, não violação CEDH art.s 6º, 7º e 14, queixa não admissível.

Sergo Gogitidze, um antigo Ministro Adjunto da Administração Interna e Presidente do Tribunal de Contas da República Autónoma da Ajária, juntamente com três membros da sua família, foram alvo de um processo por enriquecimento ilícito na Geórgia, após a sua cessação do exercício daqueles cargos.

O processo, nos termos do direito administrativo, foi instaurado contra Sergo e os seus familiares, por possuírem um património, nomeadamente imobiliário, muito superior àquilo que os seus rendimentos enquanto pessoa política e pública podiam suportar. Os demais queixosos são o irmão e os filhos de Sergo G. A conclusão final das várias instâncias judiciais foi desfavorável a Sergo G. e à sua família, decretando-se a apreensão e a perda destes bens.

Em paralelo com o processo de apreensão e perda dos bens, correu seus termos um processo penal por corrupção contra Sergo G. Este processo não estava concluído quando a apreensão e a perda dos bens foi judicialmente decretada.

A lei fundamento do processo administrativo foi a Lei de 1997 relativa aos conflitos de interesses e à corrupção no Serviço Público, vigente no momento da sua propositura por impulso do Ministério Público.

Os Requerentes vieram a queixar-se ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos pela violação do artigo 1º do Protocolo n.º 1 à CEDH que tutela o direito de propriedade, do artigo 6º § 2 relativo à presunção de inocência, do artigo 7º relativo à previsão legal dos crimes e das penas e do art.º 14º, proibição da discriminação, este em associação com todos estes artigos da CEDH.

No momento da introdução da queixa já um dos queixosos, Tendiz Gogitidze, tinha falecido. A sua assinatura falsificada foi aposta na queixa, levando o TEDH a considerar a parte desta, no que respeita a Tendiz, inadmissível por abuso.

Examinando-a quanto aos demais Requerentes, considerou-a admissível no que respeita à invocação do art.º 1º do Protocolo n.º 1.  A medida litigiosa (a apreensão e a perda dos bens decretada por decisão judicial) passou contudo no teste da sua legalidade, pois existia uma lei fundamento anterior aos factos e ao processo. Esta medida possuiu um fim legítimo, o de controlar casos de possível corrupção dos titulares de cargos políticos e públicos, e foi considerada proporcional, porque não arbitrária: existia uma lei fundamento e um acervo patrimonial porventura excessivo, e porque os Requerentes puderam expor os seus argumentos e os seus meios de prova durante o processo.  Embora esta parte da queixa tenha sido declarada admissível, o TEDH verificou a não violação da Convenção a este respeito.

Quanto aos demais artigos invocados, a queixa nem sequer passou no crivo da admissibilidade. De interesse é referir a presunção de inocência cuja violação foi alegada (art.º 6º § 2): embora o processo-crime ainda não tivesse sido concluído e por conseguinte não fosse possível no momento do decretamento da apreensão e da perda de bens, ter o resultado deste processo em consideração, o facto de ele não estar concluído foi para o TEDH um argumento no sentido do acerto, da justeza da condenação administrativa dos Requerentes. O processo administrativo correu os seus termos dentro da normalidade, sem erros no que respeita à descoberta da verdade e sem poder receber uma influência do processo penal.  Nesta medida, o processo penal não influiu na decisão administrativa que pôde ser adotada com um pensamento independente da parte das instâncias que decretaram a apreensão e a perda dos bens dos Requerentes.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira