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TEDH, Grande Chambre, 15 de dezembro de 2015, Acórdão proferido no recurso de Schatschaschwili

16 dez 2015

Em acórdão de seção deste ano, o TEDH não havia considerado a Alemanha em violação do direito a inquirir as testemunhas, tendo sido noticiada a admissibilidade da hearsay evidence, segundo o TEDH, nesta página (notícia de 9 de março passado). No presente acórdão, a Grande Chambre decide de outra forma.

Recordando os termos do caso, Schatschaschwili mais outros assaltantes atacaram, em Outubro de 2006 e em Fevereiro de 2007, respetivamente em Kassel e em Göttingen, duas casas de alterne, apartamentos onde mulheres de origem letónia exerciam a prostituição.

Levaram os pertences em dinheiro das mulheres em contextos de elevada violência nas agressões que cometeram.

Estavam a ser investigados por outras razões, obtendo-se registos de GPS e escutas telefónicas evidenciando a prática destes crimes.

Foram submetidos a prisão preventiva e nessa situação foram interrogados pelo Ministério Público. Schatschaschwili, o queixoso, não beneficiou de aconselhamento por advogado quando foi ouvido em situação de prisão preventiva. Não foi efetuado qualquer registo audio/vídeo dos interrogatórios.

Schatschaswili veio a ser condenado em pena de prisão, esgotou os recursos internos disponíveis e queixou-se ao TEDH.  A seção, que inicialmente admitiu e examinou a sua queixa, não considerou existir violação do direito de Schatschaschwili de exercer o contraditório relativamente às testemunhas apresentadas contra ele.  Os tribunais alemães teriam tido todo o cuidado em assegurar-se que as vítimas compareceriam e estas acabaram por não comparecer por terem regressado à Letónia, não cumprindo os tribunais da nacionalidade destas os pedidos de cooperação judiciária dos tribunais alemães. Perante a impossibilidade de obter a comparência, em julgamento, das vítimas e testemunhas e perante um conjunto criminológico particularmente hediondo, amplamente corroborado por hearsay evidence, os tribunais alemães teriam decidido corretamente.

Schatschaschwili, não se conformou e recorreu para a Grande Chambre do TEDH, usando a faculdade que a CEDH lhe reconhece. A Grande Chambre reexaminou o caso em acórdão publicado em 15 de Dezembro e assentou a sua análise, como o tinha feito a seção, nos critérios de admissibilidade da hearsay evidence que o TEDH havia desenvolvido na sua jurisprudência Al Khawaja e Tahery (a seu tempo, também objeto de notícia nesta página).

Os critérios de admissibilidade desta modalidade de prova, que não dá ao arguido a possibilidade de exercer o contraditório relativamente às testemunhas que contra ele depõem, são os da verificação de uma razão fundamentada para a não presença das testemunhas em julgamento, de saber se a prova fornecida por esta é a única capaz de determinar o resultado do julgamento, e de saber se existem fatores que possam operar como contrapeso, permitindo compensar as dificuldades causadas à defesa com a não audição e exame das testemunhas.

A Grande Chambre desenvolveu um longo raciocínio em que se permitiu, em termos genéricos, o emprego sem ser por esta ordem, destes critérios. Aceitou a existência de uma razão fundamentada para a não comparência das testemunhas, repousando na impossibilidade em as ter presentes no julgamento apesar de todos os esforços dos tribunais alemães; debruçou-se sobre a questão de saber se a prova testemunhal é a única capaz de determinar o resultado do julgamento e aceitou a como essencial;  aceitou a existência de fatores operando como contrapeso no sentido das garantias de defesa, e, neste domínio, verificando que o Código de Processo penal alemão permite, §§ 143.3 e 140.1 da StPO, a nomeação de advogado na fase anterior ao julgamento (investigação e instrução do processo, no momento em que o arguido é confrontado com os meios de prova apresentados contra ele), verificou que cabia ao Ministério Público a efetivação deste direito. Este não prevendo então, certamente, a futura ausência em julgamento das vítimas e testemunhas, não deu concretização a esta possibilidade. E, não operando conforme as previsões da  StPO, não permitiu a verificação da existência de fatores operando como contrapeso para a admissão da hearsay evidence segundo os critérios da jurisprudência Al Khawaja e Tahery.

Para a Grande Chambre, verificou-se assim a violação do direito a exercer o contraditório relativamente às testemunhas, o qual se aplica também às fases anteriores ao julgamento de um processo penal, não tendo Schatschaschwili beneficiado do direito a um processo equitativo no sentido do artigo 6.º § 1 e § 3, al. d) da CEDH.

São de interesse as opiniões concordantes e discordantes. As discordantes, na medida em que confirmam esta jurisprudência que, segundo o próprio TEDH, passará certamente a ser designada por “critérios de Al Khawaja e Tahery tal como desenvolvidos no caso Schatschaschwili”, divergindo apenas na medida em que a Grande Chambre, na sua maioria, considerou relevar uma negligência eventual do Ministério Público. A opinião concordante, desenvolvida por vários magistrados do TEDH, tem interesse na medida em que, concordando com o resultado concreto deste acórdão, exige que os critérios de Al Khawaja e Tahery sejam cumpridos, no seu exame, na ordem da sua formulação. Ou seja, que a existência, ou não, de um fundamento para a não audição e exercício do contraditório relativamente a uma testemunha se mantenha, critério essencial que, a não ser cumprido, determina desde logo a violação deste direito.  Para estes magistrados, a alternativa – um exame dos critérios indicados fora desta ordem – representa um enfraquecimento deste direito.

De importância imediata para um leitor: a conclusão de que os critérios do artigo 6.º §§ 1 e 3 d) são também aplicáveis à fase processual penal anterior ao julgamento.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira