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TEDH, Grande Chambre, 17 de janeiro de 2017.

23 jan 2017

Crime violento de extrema gravidade. Condenação em pena de prisão perpétua.  Aplicação da jurisprudência Vincent do TEDH em Acórdão inglês proferido no caso McLoughlin, tudo levando a crer que a partir de um tempo mínimo de cumprimento de pena (25 anos) esta poderá ser revista e ser aplicada a liberdade condicional ao arguido. Invocação do art.º 3.º da CEDH porque o condenado poderia morrer em prisão, tortura ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, não violação.

Hutchinson cujo acórdão proferido pela Seção do TEDH em primeira instância foi objeto de notícia nesta página em Fevereiro de 2015, cometeu um crime grave nos anos 80.  Matou um casal e violou a filha depois de ter obrigado esta a passar sobre o cadáver do pai que acabara de matar. Foi condenado em pena de prisão perpétua. No Reino-Unido, existe a possibilidade de revisões desta situação, a pedido do condenado, pelo Secretário de Estado da Justiça britânico, o equivalente ao Ministro da Justiça em sistema continental.

Hutchinson requereu por sucessivas vezes ao Secretário de Estado a sua colocação em liberdade condicional, sendo que, por ter iniciado o cumprimento de pena em 1984, este requerimento foi apresentado quando estavam volvidos mais de vinte e cinco anos.

Queixou-se ao TEDH do facto de que corre o perigo de vir a falecer, de velhice, em prisão, em cumprimento de pena perpétua, num sentido rigorosíssimo.

Sucede que o TEDH examinara, antes de Hutchinson se queixar, o sistema de cumprimento de penas vigente no Reino Unido e declarara-o desconforme à CEDH no seu Acórdão Vincent, em que considerou que um sistema de pena perpétua deve oferecer a possibilidade da colocação em liberdade condicional depois de 25 anos de cumprimento de pena. Tal não aconteceu com Hutchinson que vem pedindo ao Ministro da Justiça, sem êxito, a sua colocação em liberdade condicional, alegando que o perigo de falecer de velhice em prisão, em cumprimento de pena, é contrário à regra do art.º 3.º da CEDH que proíbe a tortura e os tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.  Mas também sucede que num caso que não chegou a ser examinado pelo TEDH, um caso que se ficou pelas jurisdições britânicas, o caso McLoughlin, a Court of Appeal entendeu ser de aplicar a doutrina Vincent, de acordo com a discricionariedade do tribunal ao qual couber avaliar o pedido, baseando-se em circunstância excecionais, que podem justificar a colocação em liberdade condicional do condenado.

Chamado a examinar o caso, o TEDH na Seção, já havia decidido que não havia violação do art.º 3.º da CEDH porque o requerente podia pedir sempre a colocação em liberdade ao Ministro da Justiça que, embora sendo um órgão político, um membro do Executivo, podia conceder esta liberdade condicional. Por outro lado, uma vez que a jurisprudência inglesa passou a admitir, a partir do caso McLoughlin que circunstâncias excecionais possam justificar a colocação em liberdade condicional, a partir de um certo tempo de cumprimento de pena, tudo estaria bem porque Hutchinson teria sérias possibilidades de não vir a morrer de velhice em cumprimento de pena perpétua. Já no Acórdão da Seção, o voto da juíza Kalaydjeva havia, em opinião dissidente, apontado a deficiência ao acórdão da Seção, consistente em este aceitar que circunstâncias excecionais podem justificar a colocação em liberdade condicional.  Estas podem vir a ser tão apertadas que podem vir a ser inoperantes.

Apesar desta opinião dissidente no acórdão da Seção, a Grande Chambre, que considerou cuidadosamente todos os elementos do caso, voltou a decidir no mesmo sentido, da não violação do art.º 3.º da CEDH pelo Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte. E fê-lo de novo, porque, por uma parte existe a possibilidade do Ministro da Justiça conceder uma graça ou um indulto e/ou de circunstâncias excecionais serem admitidas para justificar a colocação em liberdade do condenado, circunstâncias que são diferentes dos simples fundamentos de misericórdia, em que se permite a um condenado acamado ir morrer em casa.

Não houve, pois, violação do art.º 3.º da CEDH, neste caso, nem para a Seção, conforme já havíamos visto em fevereiro de 2015, nem para a Grande Chambre.

Mas dos dezassete juízes que compõem a formação alargada da Grande Chambre, três são dissidentes.

Para o juiz Lopez Guerra, Hutchinson foi privado da possibilidade de invocar os fundamentos excecionais até à jurisprudência McLoughlin, que ocorreu mais de vinte e cinco anos depois do seu início de cumprimento de pena. Deveria haver violação do artigo 3.º da CEDH por todo o período de tempo superior a vinte e cinco anos e anterior à jurisprudência britânica McLoughlin, em que Hutchinson esteve impossibilitado de invocar as circunstâncias excecionais.

Para o juiz português Paulo Pinto de Albuquerque os problemas são mais graves. Para este juiz continua a não se saber o que são circunstâncias excecionais na jurisprudência inglesa. A posição da Grande Chambre é a de que não renuncia à colocação em liberdade condicional de um condenado em pena perpétua, ao fim de vinte e cinco anos de cumprimento de pena. Mas percebe-se, e esta é uma vulnerabilidade, que a GC está disposta a aceitar a invocação da existência de circunstâncias excecionais, no ordenamento interno, de colocação em liberdade condicional, para não verificar uma violação do artigo 3.º da CEDH.  Ora verifica-se que a tendência no Reino-Unido, como já havia feito notar a juíza Kalaydjeva, é de dar uma noção muito apertada, muito restritiva, das circunstâncias excecionais. O que esvazia de conteúdo a posição da Grande Chambre. O juiz Paulo Pinto de Albuquerque chega a identificar um sismo na jurisprudência do TEDH. É que, neste Acórdão, como em vários outros, proferidos sobre os mais variados assuntos, o próprio TEDH admite que a sua jurisprudência, com os critérios que fixa, possam ser aplicados de forma relativamente rara.  Esta aceitação e a noção apertada de circunstâncias excecionais, da jurisprudência inglesa, permitindo a colocação em liberdade condicional, tornam ainda mais limitadas as possibilidades de vir a ser colocado  em liberdade condicional um condenado em cumprimento de pena há mais de vinte e cinco anos.  Paradoxalmente aumenta o perigo de alguém condenado em pena perpétua vir a morrer de velhice na prisão em cumprimento da pena, por não haverem circunstâncias excecionais, fora das circunstâncias de misericórdia, e fora da anuência relativamente à colocação em liberdade, por parte do Secretário de Estado, que se pode não verificar, e isto tanto mais que o próprio TEDH admite que a própria jurisprudência seja limitada, na sua aplicação, a casos atendíveis… O que segundo as palavras do juiz português, pode vir a transformar o TEDH numa espécie de comissão consultiva de direitos humanos na Europa…

O juiz Sajó, Presidente desta formação da Grande Chambre que considerou não haver violação do art.º 3.º da CEDH neste caso Hutchinson, ele também, emite uma opinião dissidente, associando-se à opinião dissidente do juiz Paulo Pinto de Albuquerque.

 

por: Paulo Marrecas Ferreira