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TEDH, Grande Chambre, 19 de março de 2015. Decisão de arquivamento por resolução amigável do litígio. S.J. c. Bélgica

23 mar 2015

Mulher jovem com HIV/Sida, Nigeriana, Mãe, chegada à Bélgica por via de Malta, exame em Seção do TEDH, violação dos art.s 3º e 13º da CEDH, recurso para a Grande Chambre, e, por fim, resolução amigável do litígio.

SJ é uma jovem Mãe que chegou da Nigéria à Bélgica, porque a família pretendia fazê-la abortar da sua criança. Esta Mãe tem Sida, e num relacionamento com um homem na Bélgica, deu à luz mais dois filhos.

Pediu o asilo com base no art.º 8ºda CEDH, uma vez que a intervenção da sua família seria de natureza a atingir o seu relacionamento com o filho. Invocou o art.º 3º da CEDH, na medida em que a sua expulsão a sujeitaria a tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, e invocou o art.º 13º da CEDH, na medida em que a Bélgica não oferece quaisquer garantias de recurso da decisão da Administração Pública.  Em particular, a Bélgica é um dos poucos países do espaço Europeu (U.E.) cujo recurso judicial da decisão administrativa de expulsão não tem efeito suspensivo.

Invocou ainda o seu estado de saúde, alegando que a sua doença não seria adequadamente combatida se fosse forçada a regressar à Nigéria.

As autoridades belgas estudaram com as autoridades de Malta a assunção por este país da responsabilidade de tratar o pedido de SJ na qualidade de país responsável pelo pedido, à luz da Convenção de Dublin. Concluíram que Malta assegura o tratamento contra a Sida e que S.J. seria tratada durante o período de exame do seu pedido tão bem como na Bélgica. A seguir, estudaram a situação na Nigéria e concluíram que este país também efetua um tratamento contra o vírus da Sida, gratuito no seu território, pelo que seria seguro expulsar S.J.

Esta, entretanto, recorreu da decisão de expulsão e neste contexto pediu a aplicação de medidas provisórias ao TEDH que lhas concedeu, permanecendo na Bélgica até à resolução do seu problema diante do TEDH.

A Quinta Seção do TEDH, que examinou o seu caso concluiu pela violação do art.º 13º combinado com o art.º 3º da CEDH, direito a um recurso efetivo, solução de fácil alcance para o TEDH, na medida em que este já tem longa jurisprudência relativa à necessária eficácia suspensiva do recurso da decisão da Administração das Fronteiras para os tribunais nacionais.

A Bélgica colocou a questão diante da Grande Chambre, e, certamente convencida que iria novamente ser vencida, aceitou a resolução amigável consistente em conceder a SJ um visto de residência de duração indefinida.

O Juiz Paulo Pinto de Albuquerque alerta, contudo, para as deficiências da jurisprudência do TEDH neste domínio que são espelhadas por iguais deficiências nas respostas às questões formuladas, em reenvio da questão a título prejudicial, pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).

Com efeito, as situações de patologias graves de cura difícil no país de destino da pessoa a expulsar não são, segundo o TJUE, fundamento de concessão de proteção internacional à luz da Diretiva Asilo da U.E. (M’Bodj c. Bélgica). Em contrapartida, o TJUE assegurou no mesmo dia em que decidiu o caso M’Bodj, que uma decisão de expulsão de uma pessoa gravemente doente, deve poder ter o seu efeito suspenso em caso de recurso judicial (Abida).

O TJUE dividiu, assim, o problema em duas partes, colocando o peso da proteção na dimensão processual do recurso, mas não aceitando a doença como fundamento de concessão da proteção internacional à luz da Diretiva Asilo… Para o Juiz Paulo Pinto de Albuquerque, esta solução peca por ser extremamente severa e ilustra um desconforto grave quanto a estas delicadas questões na própria justiça europeia, o último reduto da preeminência do direito.

Reforçando a gravidade desta situação de impasse na jurisprudência Europeia, está o Acórdão proferido pela Grande Chambre do TEDH no caso N. c. Reino Unido. O TEDH decidiu aqui que embora a circunstância pessoal de saúde da Requerente (sofria de Sida) signifique que a sua expulsão possa significar uma redução da sua esperança de vida, esta não é bastante em si para ultrapassar o limiar do que é aceitável à luz do art.º 3º da CEDH. Ou seja, mesmo que a esperança de vida seja reduzida por força da expulsão, esta, nestas condições, tendo lugar, não infringe o art.º 3º da CEDH.

Na sua opinião discordante, que nos merece aplauso, o Professor Paulo Pinto de Albuquerque, citando o caso de N. c. Reino Unido (N. também uma mulher, que faleceu pouco depois da sua chegada ao Uganda), pronuncia-se no sentido de que a falta de condições para prestar tratamento pode equivaler a tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, contrários à dignidade humana, que o art.º 3º da CEDH proíbe e como tal ser considerada uma violação deste artigo.

Esta resolução amigável do litígio que vem permitir a S. J. a sua permanência por tempo indefinido na Bélgica, pelo receio deste Estado em ser condenado na base dos art.ºs 3º e 13º da CEDH, apesar da felicidade que vem trazer à família de S.J. com as suas, agora, três crianças, não representa, assim, ainda, um passo satisfatório na evolução do direito de fonte jurisprudencial Europeu.  A seu tempo, saudámos (veja-se o comentário feito ao caso Gebremedhin quando saiu nesta página) o generalizado acolhimento do efeito suspensivo do recurso da decisão administrativa para os tribunais; hoje, para que a Justiça europeia continue a estar em avanço no espaço universal do direito, é importante que se comece a pensar na importância da saúde como fundamento de concessão de proteção internacional a um sujeito de direito. A título de exemplo veja-se o caso, também citado pelo Juiz Paulo P. de Albuquerque, decidido pelo Tribunal Interamericano dos Direitos Humanos, em Andrea Mortlock c. E.U.A., em que a condição de saúde precária foi obstáculo à expulsão de um cidadão Jamaicano.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira