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TEDH, Hutchinson c. Reino Unido.

9 fev 2015

Crime particularmente horrendo.  Condenação a pena de prisão perpétua. Cumprimento obrigatório da pena mínima de 18 anos (tariff). Admissão de circunstâncias excecionais podendo justificar a colocação em liberdade antes do cumprimento total da pena. Direito à esperança. CEDH, art. 3º . Não violação.

Em 1983, Hutchinson espancou até à morte um homem, a sua esposa e o seu filho maior de idade, tendo violado por repetidas vezes a sua filha de 18 anos, depois de a ter arrastado sobre o cadáver do seu pai.  Foi condenado a pena de prisão perpétua.

O juiz do julgamento condenou Hutchinson em pena de prisão perpétua, com um período de detenção mínima de 18 anos (tariff).   Em sucessivos exames ao crime e à pena, os magistrados responsáveis concluíram que Hutchinson não é um homem para colocar em liberdade, mesmo depois do cumprimento do tariff, pelo horror do crime, a sua nunca reparação integral, numa perspetiva de justiça retributiva, a duvidosa reinserção social de Hutchinson, provavelmente capaz de voltar a cometer outro crime grave, bem como a necessidade de absoluta prevenção geral perante crimes desta natureza.

Em 1998, entrou em vigor no R.U. o Human Rights Act que procura compatibilizar o direito do R.U. com a CEDH, em 2010 foi adotado o Lifer Manual que permite a colocação em liberdade de condenados em pena de duração indeterminada por motivos de compaixão, tais como a incapacidade em locomover-se devendo permanecer acamado, quando o risco de voltar a cometer crimes violentos seja mínimo, uma pena de maior duração reduza a esperança de vida do recluso, exista a possibilidade de tratar adequadamente o condenado fora da prisão, uma colocação em liberdade mais cedo traria um benefício considerável ao recluso e à sua família.

Em 2013, a Grande Chambre decidiu no caso Vinter e outros c. R.U. que existira uma violação do art.º 3º da CEDH num caso semelhante, na medida em que da prática e dos textos britânicos, não resultaria claro se as penas perpétuas seriam redutíveis ou não. Neste caso, Vinter, as penas seriam irredutíveis, negando ao recluso o direito à esperança.

Numa decisão da Court of Appeal, de 18 de Fevereiro de 2014, esta Alta Instância do R.U. analisou o acórdão da Grande Chambre proferido no caso Vinter, e, citando um conjunto alargado de jurisprudência do TEDH, nomeadamente o acórdão proferido no caso Kafkaris, explicou o regime jurídico vigente.  Expressou o seu desacordo com o acórdão Vinter e a posição da Grande Chambre, e sustentou que o regime britânico é claro quanto às condições excecionais de colocação em liberdade dos reclusos. Admitiu que apenas circunstâncias excecionais justificavam a revisão da pena no sentido de colocar o recluso em liberdade, que estas são os fundamentos de compaixão (compassionate grounds), mas que estes são mais abrangentes que o disposto no Lifer Manual.  São lidos de acordo com o art.º 3º da CEDH  e existe recurso da decisão relativa à existência ou inexistência destes motivos para um tribunal superior.  Sendo assim, o sistema do Reino Unido confere ao recluso o direito à esperança (já explanado em notícia desta página relativa à jurisprudência do TEDH – caso Vinter), no sentido de não ter de pensar que vai acabar os seus dias na prisão, embora tal possa suceder.

Examinando a queixa de Hutchinson à luz do art.º 3º da CEDH, o TEDH referiu os critérios que a Grande Chambre estabeleceu quanto às penas de prisão perpétua. O artigo 3º da CEDH impõe a redutibilidade da pena perpétua; não cabe ao TEDH determinar as regras de recurso da pena, mas admite o direito internacional que, passados 25 anos a pena possa ser revista; não existindo esta possibilidade no direito interno, haverá violação do art. 3º da CEDH; o recluso deve ter a certeza de beneficiar de um recurso para rever a sua pena perpétua, sem o que não faria sentido o seu esforço no sentido da sua reintegração social, efetuado ainda na prisão.

O TEDH comparou a evolução jurisprudencial recente no R.U. e após um longo e detalhado exame, acabou por concluir no sentido da decisão acima referida da Court of Appeal de 18 de Fevereiro de 2014.  Para o TEDH, o R.U. cumpre agora com o direito à esperança no sentido de garantir a existência da possibilidade, depois do cumprimento do tariff fixado na sentença, de pedir o reexame da pena com direito a recurso judicial desta decisão, não estando a possibilidade de colocação em liberdade limitada ao enunciado dos motivos de compaixão do Lifer Manual, sendo estes possivelmente mais abrangentes.

Neste sentido, tendo aceite a queixa como admissível, o TEDH rejeitou-a por não violação do art.º 3º da CEDH.

Em opinião discordante elaborada com alguma lucidez, a Juíza Kalaydjeva diz que para ela não existe diferença com o caso Vinter em que o TEDH concluiu pela violação do direito à esperança. Apesar da orientação jurisprudencial nova, a lei não foi modificada e embora a evolução do direito não legislado seja um elemento fundamental a ter em conta na adaptação da ordem jurídica, nomeadamente às exigências que os direitos humanos colocam, não resulta clara, nem sequer no acórdão da Court of Appeal quando diz que os compassionate grounds não são os do Lifer Manual mas são mais abrangentes, qual a maior abrangência destes critérios referidos de modo abstrato.  Pelo que a situação material não se teria modificado e Hutchinson estaria numa situação próxima da de Vinter.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira