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TEDH - Mahamed Jama c. Malta

30 nov 2015

Chegada por barco a Malta de cidadã da Somália. Entrada ilegal. Decisão de retorno e decisão de expulsão. Pedido subsequente de asilo. Detenção por um longo período de tempo. Condições de detenção. Recurso efetivo. Tempo da detenção. Concessão do estatuto de refugiada. CEDH, art.º 5.º § 4, violação, art.º 5º § 1, violação.

Mahamed Jama chegou por barco a Malta no ano de 2012, entrando de modo irregular neste país. Foi detida e as autoridades aplicaram-lhe uma decisão de retorno e uma decisão de expulsão, retorno por não possuir meios de subsistência, expulsão porque um período de saída voluntária não lhe foi concedido. Estes documentos foram-lhe inicialmente facultados em inglês, depois em árabe, línguas que Mahamed Jama não entendia.

Mahamed declarou, entretanto, ter 16 anos de idade o que não permite, segundo o direito maltês, a sua expulsão. Um processo de determinação da idade foi-lhe aplicado e verificou-se que a sua idade deveria rondar os 26 anos. Alguns dias depois, uma sessão de informação teve lugar no centro de retenção e Mahamed pediu asilo.

O procedimento de asilo veio a durar cerca de oito meses, nos quais se incluiu um processo de determinação da idade o qual se mostrou também moroso tendo em vista a atividade material que comporta.

As condições de detenção eram adversas, de frio extremo e de calor extremo, com alguma promiscuidade entre reclusas, separadas dos reclusos homens: apesar da disposição de pouco espaço para a própria intimidade, as reclusas podem circular livremente em todo o dormitório. Existe um pequeno pátio para atividade diária, que esteve fechado durante cinco semanas em razão de obras. O pátio é pequeno e exposto ao olhar dos reclusos masculinos, no patamar de cima.

Existem, ainda assim, condições mínimas de higiene e, apesar de muito escassamente, Mahamed pôde ter acesso a alguma roupa limpa.

Queixando-se ao TEDH das condições de detenção, este alto tribunal, ponderando os vários elementos mencionados, considerou não existir fundamento para se considerar violado o artigo 3.º da CEDH (proibição dos tratamentos cruéis, desumanos e degradantes).

Mahamed queixou-se, ainda, da impossibilidade de recorrer das decisões de retorno e expulsão.  Embora exista, na pirâmide de recursos, a possibilidade de uma queixa ao Tribunal Constitucional maltês, este meio é extremamente demorado, o que o torna inoperante. O TEDH entendeu existir, quanto a este ponto, uma violação do art.º 5.º § 4 (direito ao recurso judicial da detenção).

A determinação do seu direito ao asilo durou, entretanto, cerca de oito meses, tendo Mahamed tido acesso a um advogado que apresentou queixa em seu nome ao TEDH. Já na pendência da queixa diante deste alto tribunal, as autoridades maltesas deferiram o pedido de asilo de Mahamed. Ainda assim, apesar desta excessiva demora em decidir, o TEDH entendeu não se verificar, aqui, violação do art.º 5.º § 1, f, da CEDH (direito à liberdade e à segurança), apesar do Relatório do Serviço Jesuíta para os Refugiados, intitulado Becoming vulnerable in detention – Malta, que condena o sistema de retenção maltês pelas deficientes condições de retenção, enquanto um imigrante não cometeu nenhum crime, e pela demora na decisão dos processos.

Em contrapartida, entendeu que o facto de as autoridades maltesas terem demorado cinco dias a colocar Mahamed em liberdade, depois da decisão que concedeu provimento ao seu pedido de asilo, é uma violação do art.º 5.º § 1 da CEDH.

Por fim, Mahamed queixou-se de, no início, ter tido muita dificuldade em entender as decisões de retorno e expulsão, invocando uma violação do art.º 5.º § 2 da CEDH (direito de todo o detido a ser informado em breve espaço de tempo das razões da sua detenção). Considerando que, ainda assim, Mahamed conseguiu formular o pedido de asilo e a sua queixa ao TEDH, pelo que terá conseguido superar a barreira linguística, não terá havido aqui, aqui, violação.

Num breve voto discordante, formulado por referência a outras opiniões dissidentes em casos relativos a Malta, o juiz Casadevall criticou este acórdão, eventualmente um pouco formal, quanto à não consideração da violação do artigo 3.º da CEDH: as condições de detenção podem ser alvo de crítica, tanto mais que na seção das mulheres, o pessoal do centro de retenção é masculino.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira