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TEDH, Rywin c. Polónia

22 fev 2016

Personagem dos media. Tentativa de negociar comportamentos da imprensa mediante obtenção de vantagens para o próprio. Envolvimento de políticos influentes. Ação penal concomitante com inquérito parlamentar. Condição de saúde deficiente. Princípio da presunção de inocência. CEDH, art.ºs 3.º e 6.º par. 1. Não violação.

Lew Rywin, célebre produtor de cinema, teria feito uma proposta a AGORA, S.A., uma editora proprietária de um jornal, a Gazeta Wyborcza, para colaborar na redação de uma lei que traria vantagens à AGORA para lhe permitir adquirir a cadeia de televisão privada POLSAT, contra a prestação de uma avultada quantia em dinheiro, a sua nomeação para a direção da POLSAT e a renúncia da Gazeta Wyborcza a escrever artigos contendo críticas contra o Governo. Teria sido mandatado por “um grupo detendo o poder” segundo as palavras que lhe foram imputadas.

A conversa foi gravada e, dias depois desta ter tido lugar, a Gazeta Wyborcza transcreveu-a integralmente em artigo nela publicado.

Na sequência destes acontecimentos, o Ministério Público abriu um inquérito contra Rywin e a Dieta Polaca (o Parlamento) instaurou uma comissão de inquérito parlamentar.

O inquérito parlamentar deu que falar e sucederam-se artigos na imprensa dedicados a Rywin e ao número de políticos influentes que ele arrastaria na sua queda.

Rywin veio a ser condenado no processo penal instaurado contra si, mas veio entretanto a sofrer, já em cumprimento de pena, complicações de saúde graves, do foro cardíaco e diabetes.

Foi tratado num hospital e, feitas as competentes perícias médicas, o tribunal de Varsóvia, recebendo os resultados favoráveis à continuação do cumprimento da pena, decretou o seu regresso à prisão.

Finalmente, em 2006, Rywin veio a ser colocado em liberdade condicional, com um período probatório de dois anos, tendo-lhe sido nomeado um tutor judicial, sendo Rywin proibido de mudar de residência.

Rywin veio a queixar-se por um conjunto de gravames que teria sofrido às mãos da justiça polaca. Teria sofrido maus tratos na prisão, na medida em que, doente, fora considerado apto para o cumprimento de pena; a sua presunção de inocência teria sido seriamente atingida pelo inquérito parlamentar que correu paralelamente ao seu processo penal, Rywin alegando não ter beneficiado de um tribunal imparcial. Ao ser-lhe ordenado o seu regresso à prisão para o cumprimento de pena, Rywin não teria tido o direito de recorrer contra uma decisão judicial. Invocava, nomeadamente, os artigos 3.º, 6.º par. 1 e 5.º par. 4 da CEDH.

Examinando o conjunto dos gravames apresentados na queixa, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos considerou que não houve violação do artigo 3.º da CEDH. O condenado foi tratado e, se eventualmente se puderam verificar algumas falhas no processamento das suas intervenções no hospital, estas ficaram a dever-se à própria conduta do queixoso, que assumira, naquele momento, um conjunto de comportamentos dilatórios que retardaram a ação da justiça.

No domínio do artigo 6.º par 1, dois conjuntos de argumentos decorriam do decurso em paralelo da ação penal e do inquérito parlamentar. Primeiro, teria havido violação do princípio da presunção de inocência, pela linguagem muito direta empregue no inquérito parlamentar, relativa ao comportamento de Rywin. Segundo, o julgamento não teria sido imparcial porque o tribunal se teria deixado influenciar pela marcha do inquérito parlamentar.

Quanto ao primeiro destes argumentos, o TEDH distinguiu, apesar de uma opinião dissidente sobre este ponto de alguns juízes deste Tribunal, entre a ação penal, destinada a impor uma sanção com fins de prevenção especial e geral, e o inquérito parlamentar, destinado a apurar a verdade relevante para a sociedade e em provocar um julgamento político.  O jurídico e o político não se sobreporiam nunca, pelo que podiam avançar em paralelo a comissão de inquérito parlamentar e o julgamento penal. Não houve, assim, violação do artigo 6.º par. 1 neste segmento do argumento.

O voto dissidente de alguns dos juízes desta seção repousa no contrário, sublinhando a intensidade com que a comissão de inquérito parlamentar se teria socorrido do vocabulário jurídico. A maioria, contudo, votou no sentido da não violação.

Quanto à alegação de ausência de imparcialidade, esta seria repartida em duas vertentes: uma imparcialidade subjetiva, radicando nas convicções intimas dos juízes e no seu modo de as exprimir, a qual não teria sido violada pois os juízes pautaram-se ao longo de todo o processo por um comportamento de grande discrição, não revelando animosidade contra Rywin, e uma imparcialidade objetiva, tornada evidente por alguns elementos indiciando esta parcialidade… Aqui a parcialidade teria podido acontecer se, por exemplo, o tribunal regional de Varsóvia houvesse exteriorizado alguma apreciação sobre a conduta do arguido/condenado, ou deixasse esta exteriorização decorrer do seu próprio modo de conduzir o processo. Nada disso aconteceu, embora, segundo a Comissão de Veneza, chamada a prestar um relatório, deva existir sempre um grande cuidado no tratamento concomitante de processos penais e de inquéritos parlamentares, devendo a comissão de inquérito articular-se com o tribunal para trocarem informações de troca lícita (não sujeitas a segredo, nomeadamente) e acompanharem-se mutuamente, nomeadamente aquando da prestação de entrevistas para os meios de comunicação social e o público. Para o TEDH também não se verificou a violação do princípio da imparcialidade, quer nas vertentes subjetiva quer objetiva.

Por fim, reportando-se ao artigo 5.º par. 4, a única razão da convocação desta disposição, após um episódio de suspensão de pena, encerrado para se regressar ao cumprimento da pena, seria a existência de algum facto novo durante a execução da sentença que justificasse que esta fosse de alguma maneira revista e que o tribunal se voltasse a pronunciar. O facto de não existirem factos novos, o condenado esteve doente e, tendo sido tratado, voltou a estar apto para cumprir a pena, significa que a resposta ao problema do recurso de uma decisão de continuação da aplicação da pena já foi dada no momento da condenação definitiva pelo tribunal de primeira instância. Aí existiu um quadro de recursos da própria pena então aplicada que respondia às exigências do artigo 5.º par. 4 da CEDH, que foi esgotado pelo advogado da parte, que reclamou da dimensão temporal da pena, do modo como o tribunal de Primeira instância a aplicou, etc., com o quadro de recursos aplicável. E no regresso ao cumprimento de uma pena que foi suspensa por razões médicas, voltando a prosseguir, a concluir-se que estas razões já não existem, com o apoio dos peritos médicos, o direito ao recurso da decisão de aplicação de uma pena é aquele que já existiu e já se concretizou no momento da condenação em que o ainda arguido, já condenado mas ainda sem decisão definitiva, esgotou o quadro de recursos disponíveis, adequados e suficientes. Não houve, assim, também aqui, violação do artigo 5.º par. 4 da CEDH.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira