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Tribunal de Justiça da União Europeia, Grande Secção – 16 de julho de 2015. CHEZ AD contra Komisia za zashita ot diskriminatsia

26 ago 2015

Instalação de contadores de eletricidade em bairros ciganos com altura em muito superior à das mesmas instalações em bairros não ciganos. Justificação por alegadas necessidades de segurança. Intervenção da Comissão búlgara contra a Discriminação. Reação da companhia de eletricidade. TJUE, questões em reenvio a título prejudicial. As noções de discriminação direta e indireta na Diretiva 2000/43, a Diretiva “raça”.

A. Nikolova, uma comerciante do bairro de Mahala na cidade de Dupnitsa, na Bulgária, queixou-se à Comissão nacional contra a discriminação, a KZD, da existência de uma prática discriminatória da parte da empresa de distribuição da eletricidade, que colocou os contadores de eletricidade nas habitações do seu bairro, a uma altura de seis a sete metros, tornando estes ilegíveis para os consumidores, enquanto nos outros bairros, os contadores estão colocados a uma altura de um metro e setenta, o que permite a sua leitura pelo consumidor interessado.

Na sua queixa, A. Nikolova auto excluiu-se da nacionalidade Roma, não deixando de alegar a discriminação de que é destinatária a população cigana, alegando ser prejudicada por ricochete.

A KZD num quadro de várias peripécias judiciais internas, acabou por concluir que a companhia de eletricidade, a Chez Ad, tinha cometido uma prática discriminatória; devendo restabelecer a situação de não discriminação. A Chez Ad. recorreu ao tribunal administrativo que sustou na decisão e colocou um conjunto de dez questões prejudiciais ao TJUE.

Em 12 de março de 2015, nas suas conclusões, a Advogada Geral, Juliane Kokott esclareceu que compete em último lugar a cada particular a sua identificação, ou não, com um grupo minoritário. A. Nikolova tendo-se auto excluído da etnia cigana, não deve ser considerada cigana, o que contudo, não a deve impedir de se queixar, uma vez que pode ser atingida por ricochete por uma prática discriminatória dirigida a um segmento da população a que não pertence. A auto inclusão num grupo minoritário como critério último de pertença é, com efeito, a regra seguida pelos vários comités de direitos humanos e pelas instâncias judiciais internacionais, como o CERD das N.U. ou o TEDH.

Para a Advogada Geral, mais se está aqui em presença de uma discriminação indireta, em que, por via de um critério aparentemente neutro se acaba por visar uma determinada etnia. A discriminação existe mesmo quando o fundamento da prática discriminatória não seja a raça ou a etnia.

No entanto, esta medida pode ser justificada, à luz de um interesse de segurança na distribuição da eletricidade, a saber o de impedir o acesso injustificado aos contadores que pode-se traduzir em desvios de eletricidade que coloquem em perigo o bairro. Mas o Julgador deve, então, verificar, existindo uma possível justificação, se uma medida desta natureza é necessária e se é proporcional.

No seu muito interessante – e importante – acórdão de 16 de Julho, o TJUE adita alguns elementos aos considerandos da Sra. Advogada Geral. Além de considerar, como o faz também a Sra. Advogada Geral, que a discriminação baseada na origem étnica acontece sempre que uma medida prejudica essencialmente uma comunidade residente num determinado bairro urbano, ainda que prejudique também pessoas não pertencentes à comunidade (o que na aparência legitimaria o argumento segundo o qual não seriam apenas os Roma os visados mas toda uma população, diluindo a característica discriminatória), o TJUE entende que a discriminação pode ser direta neste caso, se se concluir que a medida foi instituída e/ou mantida por razões relacionadas com a origem étnica da maioria dos residentes no bairro. Caberá ao Tribunal de reenvio proceder a esta verificação e chegar a esta conclusão.

Quanto ao mais, o TJUE segue a posição da Sra. Advogada Geral.  A alternativa é a existência, em todo o caso, de uma discriminação indireta com efeitos por ricochete, a verificar pelo tribunal de reenvio; discriminação indireta eventualmente justificada por razões de segurança (não permitir um acesso fácil no bairro aos contadores) desde que estas razões sejam necessárias (como diria o TEDH, numa sociedade democrática) e proporcionais ao fim visado. Sobre a questão da proporcionalidade, o TJUE insiste muito, e bem, em que a medida adotada não tenha efeitos ofensivos ou estigmatizantes.

Mais uma nota de grande importância na aferição da discriminação direta ou indireta: ambos a Sra. Advogada Geral e o TJUE insistem e que a lei búlgara anti discriminação sofre de uma ilegalidade à luz do direito da união. Não é necessário, para que uma medida seja por lei considerada direta ou indiretamente discriminatória que ela afete, em termos de os violar, direitos ou interesses legítimos. Basta a objetiva situação de desigualdade à luz dos critérios elencados na Diretiva 2000/43.


Autor: Paulo Marrecas Ferreira