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Tribunal de Justiça da União Europeia. Recurso de Anulação – Planet c. Comissão, Processo T-320/09, Acórdão de 22 de abril de 2015

22 abr 2015

Inscrição de empresa em lista do Organismo de Luta contra a Fraude (OLAF), níveis de segurança. Condicionamento de acesso a montantes de subvenções. Condicionamento de coordenação de consórcio. Direitos de defesa. 

Planet, uma empresa grega de consultoria prestou vários serviços à Síria desde 2006, sendo objeto desde 2007 de um inquérito do OLAF relativo à suspeita de irregularidades nestes projetos, os quais são financiados pela Comissão.  Entretanto veio a coordenar um projeto de dimensão europeia intitulado “Advanced knowledge – intensive entrepreneurship and innovation for growth and social well being in Europe”, designado por projeto AEGIS.

Este projeto também ele mereceu o apoio da Comissão e foi prevista uma subvenção a receber por Planet e a repartir por esta pelas empresas participantes no projeto.

Em Fevereiro de 2009, o OLAF solicitou à Comissão a inscrição de Planet em alertas baixos de segurança (W1a e W1b) nos termos da Decisão 2008/969.

Em consequência desta inscrição, a Comissão entendeu serem de aplicar medidas prudenciais e de segurança, pelo que condicionou a concessão da subvenção à abertura de uma conta bloqueada por Planet e à repartição direta pela instituição bancária dos montantes da subvenção pelas empresas participantes no consórcio. Só quando Planet foi informada de que devia adotar este procedimento se quisesse aceder à subvenção é que esta soube que tinha sido inscrita nos níveis de segurança referidos a pedido do OLAF.

Várias questões foram levantadas neste recurso de anulação, meio judicial pelo qual uma pessoa singular ou coletiva pode pedir a anulação de um ato de natureza administrativa da Comissão que o atinja na sua esfera jurídica. Uma delas foi a  da legitimidade para a Comissão criar uma base de dados na qual referencia as entidades objeto de um inquérito do OLAF e destinatárias da sua classificação no quadro de níveis de segurança. Outra, a de saber se um ato dito interno da Administração europeia pode produzir efeitos sobre terceiros, ou conter este perigo. Existindo esta possibilidade, se a Comissão pode, mesmo assim, manter em segredo este ato, não ouvindo a parte interessada. Por fim, a classificação produzindo um concreto efeito, em que medida não deverá ser dada ao terceiro interessado a possibilidade de contestar esta medida. As duas últimas questões colocam, nomeadamente problemas de boa administração e de respeito dos direitos fundamentais dos cidadãos.

O processo foi controvertido. Existiram momentos de suspensão da instância por recursos da Comissão contra despachos do Tribunal, um pedido de rejeição do pedido por inadmissibilidade, da parte da Comissão, que esta veio a perder, e por fim, o acórdão proferido em 22 de Abril.

Uma nota. Verificando-se o desenvolvimento da instância em termos que não auguravam necessariamente um desfecho desfavorável para Planet, e entendendo certamente a dimensão dos problemas suscitados por um comportamento administrativo porventura demasiado marcado por uma executoriedade muito ativa, a Comissão revogou as medidas que adotou e pediu o encerramento do processo por inutilidade superveniente da lide. Este não foi concedido, na medida em que o TJUE aceitou o argumento de Planet de que um Acórdão, anulando o ato administrativo (com efeitos desde o seu início, ex tunc) teria maior força, nomeadamente no reconhecimento da presunção de inocência de Planet, do que um ato revogatório (com mera eficácia ex nunc, que além disso poderia vir a ser entretanto contraditado por novo ato administrativo em sentido contrário, situação que o TJUE já reconheceu ser de existência possível em anterior jurisprudência).

No final, o TJUE, reunido enquanto Tribunal Geral, entendeu ao longo dos seus vários parágrafos que a constituição de uma base de dados contendo elementos pessoais suscetíveis de afetarem direitos dos interessados sem conhecimento nem direito de correção destes não é legítima.  Um ato interno adotado sem as devidas cautelas pode ( e este foi um dos argumentos de Planet) representar uma má gestão administrativa.  Por fim o desrespeito dos direitos de defesa ao adotar-se um ato, que tem consequências materiais, nomeadamente financeiras, e de afetar a reputação da pessoa visada, é contrário à presunção de inocência e viola os artigos 48º n. 1 da Carta dos Direitos Fundamentais da U.E.  e o artigo 6º, n.ºs 2 e 3 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, os quais são correspondentes.

A exigência em matéria de direitos fundamentais  que aqui está em causa é a de que ninguém será considerado ou tratado como culpado antes de a sua culpa ter sido provada por um tribunal.

Foram assim anuladas pelo Tribunal Geral reunido na sua Oitava Seção as decisões do OLAF pelas quais foi pedido o registo de Planet no sistema de alerta rápido e as correspondentes decisões da Comissão Europeia de ativação dos alertas W1a e W1b a seu respeito. 


Autor: Paulo Marrecas Ferreira