Simp

Está aqui

Tribunal de Justiça da União Europeia, TJUE, acórdão em reenvio da questão a título prejudicial, proferido no caso Shepherd c. RFA. 26 de fevereiro de 2015.

2 mar 2015

Andrew Lawrence Shepherd c. República Federal da Alemanha. Soldado Norte-Americano, Guerra no Iraque, objeção de consciência quanto a esta guerra. Legitimidade para pedir a concessão de asilo político à Alemanha. Diretiva U.E. 2004/83.

Em 14 de Novembro passado foi objeto de notícia nesta página a publicação das Conclusões da Sra. Advogada Geral Eleanor Sharpston relativa ao pedido de decisão a título prejudicial no caso Shepherd c. RFA colocada pelo Tribunal Administrativo de Munique. Em 26 de Fevereiro passado, o TJUE proferiu o Acórdão final sobre a interpretação do direito aplicável da União Europeia. Em causa, em particular, esteve o artigo 9º da Diretiva 2004/83 relativa às normas U.E. sobre asilo e refugiados.

Shepherd, técnico de manutenção de helicópteros alistou-se nas forças dos Estados Unidos que em 2003, conduziram a guerra no Iraque. Não tomou parte diretamente em nenhum conflito mas esteve em missão em Tikrit. Regressado à base na Alemanha, voltou a alistar-se e em 2007 recebeu nova ordem de missão para o Iraque.

Entendendo que a sua participação no conflito envolvia o cometimento da sua parte, ou a sua participação no cometimento de crimes de guerra, desertou e pediu o asilo político à Alemanha que lho negou. Recorreu da decisão para o Tribunal Administrativo de Munique que colocou nove questões a título prejudicial.

Estas iam desde a questão, nomeadamente, de saber se pessoal auxiliar pode estar envolvido na participação em crimes de guerra, se é necessário para o preenchimento deste critério que o agente venha a ser perseguido pelo Tribunal Penal Internacional ou que exista a possibilidade de o ser, se a participação num conflito para o qual exista uma Resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas absolve este conflito da prática de crimes de guerra, se é necessário esgotar meios internos como a aquisição do estatuto de objetor de consciência para poder formular o pedido de asilo, se as medidas a aplicar ao requerente segundo a legislação do país relativamente ao qual receia a perseguição devem ser desproporcionais e como se afere esta desproporção.

O TJUE vem responder a este conjunto de questões. As normas mínimas estabelecidas pelo art. 9º da Diretiva 2004/83/CE para que um nacional de país terceiro beneficie do estatuto de refugiado, abrangem todo o pessoal militar, incluindo o pessoal logístico ou de apoio.  Aquela disposição visa a situação em que o próprio serviço militar prestado implica, em determinado conflito, que sejam cometidos crimes de guerra; em particular, a probabilidade do cometimento futuro dos mesmos (o que justifica o pedido); a apreciação dos factos deve assentar num feixe de vários indícios que permitem esta aferição; a existência de um mandato das Nações Unidas torna menos plausível o cometimento provável de crimes de guerra; o requerente, militar que com este fundamento (prática possível de crimes de guerra) recuse servir, deve esgotar os meios nacionais à sua disposição, no sentido de poder ser objetor de consciência ao conflito em questão, antes de pedir o estatuto de refugiado; a proporcionalidade das sanções em que o requerente incorre se lhe for negado o estatuto de refugiado afere-se em função do direito do Estado de manter forças armadas operacionais.

Operando o recorte desta interpretação com a resposta proposta pela Sra. Advogada Geral, verificamos que ambas as respostas genericamente coincidem.  As condições para a aceitação do pedido da concessão de estatuto de refugiado resultam contudo, no Acórdão,  rodeadas de uma certa severidade. 

Com efeito, o acórdão não admite propriamente a possibilidade de o crime de guerra acontecer num contexto de mandato das Nações Unidas, afere esta possibilidade pela negativa, sugerindo que, em princípio, o crime de guerra não ocorre nestas operações e que o mandato deve ser tido em conta na apreciação da possibilidade de virem a ser cometidos crimes de guerra. Ou seja, no quadro de um mandato das Nações Unidas, em princípio, não haverá cometimento de crimes de guerra.

O outro ponto que pode levantar relativo melindre, deixado embora à apreciação do Tribunal Administrativo de Munique, é o do direito de um Estado manter forças armadas operacionais como critério da proporcionalidade da pena. Se um tribunal militar entender ser de aplicar uma pena de duração perpétua ou a pena de morte, estaremos ainda diante de uma proporcionalidade resultante do direito em manter forças armadas operacionais?

A relativa incerteza em que nos deixa este Acórdão frente às questões graves que nele se colocam, faz agora recair sobre o Tribunal Administrativo de Munique a forte responsabilidade de dividir as águas. Shepherd irá ele permanecer na Alemanha, ou deverá regressar aos E.U.A. para aí ser julgado e cumprir a sua pena?


Autor: Paulo Marrecas Ferreira